A crítica fundamental de Bandeira

Parece facílimo notar que a crítica fundamental de Bandeira, em Os sapos, era direcionada à futilidade dos cultores da forma. Manifestou ele sua repulsa por discussões estéticas inúteis e pela poesia frívola, ainda que requintada. O curioso é que tal não parece ter sido notado por aqueles que, inspirados pelo poema, fundaram uma nova estética, que se desenvolveu num culto à forma ainda mais apaixonado. Mas o pior não é isso; o pior é ver que a nova estética mergulhou-se em banalidades não como as parnasianas, mas infinitamente piores, quando não obscenas e repulsivas, em criações que não fazem senão manifestar a torpeza da mente que as criou. É uma estética presente o mais das vezes em poemas que aliam ignorância à inabilidade artística e à baixeza de espírito. Pensando bem, que façanha!

Deveria ser vedada ao homem a possibilidade…

Pronto! Agora, não consigo me livrar da memória do sujeito a dançar com uma harpa sob aplausos da plateia. Deveria ser vedada ao homem a possibilidade de manifestação coletiva. Sem dúvida, tal medida sepultaria, por baixo, metade dos problemas do mundo. Ocorre algo inexplicável quando o homem se mistura — e se anula — numa coletividade. Uma coletividade, ainda que formada por homens inteligentes, é sempre estúpida. Tal já foi notado não sei se por Nelson, O’Neill ou Wilde. Talvez por Ibsen, e mais provavelmente pelos quatro. O homem, em grupo, deveria agir somente como nas orquestras onde o aplauso é proibido e o verbo vale expulsão.

Qualquer trabalho é suportável…

De Guyau:

« Maudit soit ce travail qui, semblable à la flamme,
Dévore notre vie et la disperse au vent ;
Maudit ce luxe vain, ces caprices de femme
Toujours prêts à payer sa vie à qui la vend ! »

Oh, desespero! E o impressionante, o inacreditável é ver que tais versos não podem hoje sair senão de penas raríssimas, as incapazes de se adaptarem à normalidade vigente. Sem dúvida, é tal sentimento inconfessável, um pecado contra a sociedade moderna a qual exige o assentimento e a exaltação destas qualidades e desta conduta que mais parece estrangular a dignidade humana. Creio ter sido Dostoiévski a refletir, no cárcere geladíssimo da Sibéria, que qualquer trabalho é suportável, mas constatá-lo inútil, constatar-se a esforçar-se por nada, isso é absolutamente revoltante e intolerável ao homem: numa situação destas, o melhor sem dúvida é não existir. Mas Dostoiévski, talvez, tenha-se precipitado: ao menos hoje, pouquíssimos parecem adequar-se-lhe à constatação.

Os verdadeiros e os artificiais

Diz Guyau, no prefácio de Vers d’un philosophe:

Il y a deux écoles en poésie : l’une recherche la vérité de la pensée, la sincérité de l’émotion, le naturel et la fidélité parfaite de l’expression, qui font qu’au lieu d’un auteur ” on trouve un homme ” : pour cette école, pas de poésie possible sans une idée et un sentiment qui soient vraiment pensés et sentis. Pour d’autres, au contraire, la vérité du fond et la valeur des idées sont chose accessoire dans la poésie : le tissu brillant de ses fictions n’a rien de commun ni avec la philosophie ni avec la science ; c’est un jeu d’imagination et de style, un ravissant mensonge dont personne ne doit être dupe, surtout le poète.

Tal divisão, que parece mais precisa que as tradicionais escolas literárias, e que pode ser facilmente estendida às outras artes, resume os artistas em dois grupos: os verdadeiros e os artificiais. A única ressalva possível consiste em dizer que, em muitos casos, a emoção imaginada pode ser uma emoção sentida, isto é, a imaginação, por fortíssima, vale de experiência. De resto, é admitir que há aqueles que fazem arte por uma necessidade expressiva, aqueles aos quais uma vida sem arte é absolutamente injustificada, absolutamente impossível; e há aqueles aos quais a arte é um divertimento e uma exibição. Isso basta.