É uma verdadeira alegria constatar que, após quase um ano de trabalho duro e repetidos lamentos, finalmente posso aqui registrar que terminei um novo voluminho de poemas. Em poesia, é inegável existir esse prêmio. Agrada o saber-se autor de versos acabados, sensação que, com a prosa, é assaz diferente… Agrada, sobretudo, porque a poesia surpreende, em razão da própria técnica poética, e surpreende mesmo que o leitor seja o autor dos versos que lê. Esse efeito surpresa, quando escancarado pela nova leitura, traz uma satisfação sincera ao evocar em mente o momento de brilho de sua criação. Assim é a poesia: muito trabalho duro, e uns poucos lampejos que parecem justificar tal trabalho; lampejos que, fulgindo em meio a um todo coeso, conferem imenso valor a uma criação enganosamente estéril.
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A arte, em sua manifestação mais autêntica, é a expressão…
O artista que ambiciona o sucesso enquanto vivo merece-o, e merece-o por ser a arte escolha dificílima. Contudo, tal artista nunca, jamais poderá almejar um posto entre os maiores, posto que a arte suprema nada espera e nada tem de esperar. A arte, em sua manifestação mais autêntica, é a expressão que brota de uma necessidade e tem como finalidade a própria expressão. Pouco importam os meios pelos quais se expresse, as técnicas de que porventura se valha: são estes meros detalhes que, realçados em excesso, obscurecem esta verdade autoevidente: não se faz grande arte por capricho.
Um ano inteiro para tecer um punhado de versos!
Um ano inteiro para tecer um punhado de versos! E ainda não os finalizei!… A sensação é de uma lentidão inadmissível para alguém que tem na própria obra a raison d’être. Incomoda, e incomoda muito essa produtividade de tartaruga quando ao mesmo tempo as ideias parecem desesperadas a bater nas grades de uma jaula reclamando libertação. Querem elas inundar imediatamente os papéis, tal como também quero, mas não cedo e não largo a prudente recomendação de “um trabalho de cada vez”. Não há como ignorar a possibilidade de uma morte imediata: caso tal cenário se efetivasse, restaria, em extensão muito superior aos pouquíssimos versos que compus, um calhamaço desorganizado e quase incompreensível de anotações.
O desígnio da “grande obra”
Goethe, nas Conversações, lamenta o ter-se deixado seduzir pelo desígnio da “grande obra”. Diz saber o quanto ele o prejudicou e se arrepende de ter-se permitido bloquear a mente para suas valorosas manifestações espontâneas que, embora reclamassem atenção, tiveram de ser descartadas em prol do objetivo maior. Compreensível… não é difícil admitir que algo se perca devido a essa necessidade de concentração do esforço que é imperiosa para a criação de uma “obra de vulto”, como diz Goethe. Mas talvez seja um preço justo, como talvez seja arriscado apostar todas as fichas em uma obra fragmentária, de inspiração ocasional. Muito de Goethe deriva do Fausto, e se algo perdeu ele com criá-lo, ora, ganhou-o afinal! É muito difícil aderir integralmente à recomendação de evitar as “grandes obras” quando vemos que delas proveio o melhor de parte considerável dos grandes autores. Se, por um lado, é justíssima a observação de que são elas perigosas, e de que talvez não sejam indicadas à maioria dos artistas, por outro lado nalguns casos parece extremamente proveitosa a canalização dos esforços para uma única finalidade.