Feliz aquele que descobre não ser necessário responder quando lhe dirigem a palavra, não ser preciso conceder atenção a quem lha exige, não ser mandatório curvar-se ao teatro das conveniências e resumir-se a um escravo deste jogo social. Felizes os misantropos, os homens embrutecidos das cavernas, os eremitas, os peregrinos, os rebeldes, e todos aqueles que têm repugnância ao convívio! — pois felicidade, afinal, é não ser um infeliz.
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Oliver Twist, de Charles Dickens
Parece-me o maior acerto de Dickens, em Oliver Twist, residir nos capítulos iniciais da obra. Dickens apresenta-nos o protagonista em condições tão comoventes, que é impossível que este não nos suscite empatia imediata. A história prossegue, e o enredo é conduzido com inteligência: o tempo inteiro percebemos que havia outras escolhas, talvez mais naturais, mas que minariam a relação que travamos com Oliver — Dickens opta por não lhe manchar o personagem, nem limitá-lo ao óbvio. Oliver Twist, sem dúvida, desde o princípio da narrativa mostra-se mais interessante que um pobre coitado. Os antagonistas, os cenários, a progressão da trama: tudo isso é muito bem descrito e convence. A partir da metade da obra, porém, nossos anseios começam a ser satisfeitos, e a narrativa culmina num desfecho planejado para agradar. Aqui, talvez, poder-se-ia lamentar a ausência de surpresa, como também poder-se-ia apontar que se esperava mais iniciativa do protagonista. Como obra de arte, porém, Oliver Twist encerra um arco dramático justo e, portanto, é muito boa.
Graduações de manifestações mentais
Há vezes que a ideia pouco vale — mas deve ser anotada; — em reflexão ulterior, porém, é justo descartá-la. Outras vezes a ideia parece fraca, mas posteriormente, reexaminada com alento renovado, tira-se-lhe algo valioso, e o fraco demonstra-se centelha importante. Outras a mente manifesta-se com clareza, e a ideia parece justa — destas extrai-se o grosso de uma obra. E outras ainda, a mente manifesta-se com tamanho ímpeto que o artista, refreando-a, deixando de imediatamente debruçar-se sobre quanto ela tenta dizer-lhe, comete um crime contra si mesmo, e desperdiça o melhor que pode extrair de suas manifestações mentais. Não basta atenção e método; para o aproveitamento máximo da mente, é preciso uma disposição que contraria o conveniente.
A ironia de Jonathan Swift
Embora muito me divirtam as páginas de Voltaire e as de vários de seus discípulos, são as de Swift que julgo elevarem a ironia a uma manifestação verdadeiramente nobre. Não há dúvida: é preciso gênio para manejar a ironia; mas esta ironia que troça, que suscita um malicioso esticar de lábios, não é expressão de primeira categoria do espírito, lamentavelmente. A ironia de Swift raramente causa esse efeito agradável; o mais das vezes, o que ela causa é assombro. Dificílimo encontrar quem se lhe assemelhe… As linhas de Swift parecem repelir brincadeiras de qualquer espécie; a inteligência que as compreende imerge numa perplexidade que duvida daquilo que lê; é algo muito, muito distante de zombaria, mais parece agressão. Disto, notamos: se a ironia de Voltaire incomoda a muitos; não há quem escape ileso da ironia de Jonathan Swift.