Divirto-me analisando a mim mesmo sob a ótica de Jung. Adotando a terminologia já amplamente difundida de Myers-Briggs sou, desde que me lembro, um inconfundível INTJ (com I e J que só fazem aumentar). Tento visualizar-me como o faria Jung, então me insiro no meio circundante: impossível não concluir que queimo vivo numa fogueira! Mas como, ainda, não houve a reação violenta que se poderia esperar de alguém como eu? Talvez tenha havido, e disso é evidência a crescente radicalização de meu comportamento. Um tipo independente, solitário, com necessidade de planejamento, ação e controle não pode reagir tranquilamente se bombardeado o tempo inteiro com o imprevisível, atirado numa situação cada vez mais submissa, instável e invasiva, privado da estabilidade e solidão. Decidir, sempre, mesmo que erroneamente, mas colhendo os frutos do ato individual — o contrário é insuportável! Imagino-me ajeitando os óculos de Jung: “Rapaz, assim não… É hora. Faça algo imediatamente…”
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O bicho extravagante
Assim como amanhece,
O bicho extravagante põe-se ativo,
Soltando o verbo vivo,
Expondo-lhe o juízo com finesse:
Diz alto e s’envaidece
De destacar-se sendo especialista
— E como é detalhista… —
Em tudo aquilo que lhe não concerne!
Então o verbo poderoso o cerne
D’alma em escuta, súbito, conquista
— E verbos há de sobra! —
Envenenar: eis a síntese da obra
Desse vaidoso e híbrido animal
Que uma perversa cobra
Alberga em centro do covil bucal!E, pois, o ser se agita
Enquanto faz mexer a carne flácida,
A subalterna da ácida
E pérfida motivação que a incita,
E mexe, e em grã desdita
O fraco espírito apodrece pleno
Do insípido veneno
Que muito mais que um vírus contamina!
E mexe a cobra enquanto a má toxina
Qual vasta epidemia espalha o obsceno!
E mexe, e causa bulha,
Sacode mais irmãos da espécie grulha,
E mexe, e quanto faz de mal mascara:
De encasquetar se orgulha!
E mexe! e mexe! e mexe! E nunca para!Mas há, porém, surpresa:
Do exato ventre que nutre a serpente,
Sai um ser diferente
Que nojo tem da própria natureza
E reage com grandeza
Surrando a pau qualquer cobra que fleche,
E, vendo o mexe-mexe,
Propõe ao ser mesquinho o Grande Trato:
“Sumas da minha frente e não te mato!”
— Mas nunca acha indivíduo que se vexe… —
E deixa que degrade
O mundo, não a si; pois, a verdade:
Da imensidão de cobras é malquisto,
Mas, em troca, a amizade
Só sua casta, em séculos, tem visto!Oh, grandiosa virtude!
Qu’induz em terra, como qu’em milagre,
Que o gênio se consagre:
Exige o dote, e quando em solitude
Faculta-lhe amplitude!
Envolve as almas dignas dum baluarte;
E, do veneno, à parte,
Faz alojar, banhando o ser de glória,
Tornando-lhe a existência meritória!
E quanto é doce ou acre ela reparte,
Porém, hegemoniza
O doce, enquanto o acre neutraliza!
Co’ela operante e sã no ilustre ser
A alma prospera lisa
E o verbo brando passa a florescer!Oh, vultosos proventos
Recebe aquele que tem um amigo!
Um só! Tê-lo consigo
Ao lado em toda sorte de momentos,
Um que partilhe intentos,
Banhar é de ânimo a própria existência!
Um só e a contingência
De detestável passa a ser benquista!
Um só que não inveje-lhe a conquista,
A repelir qualquer maledicência,
Tendo entre as qualidades
Saber sempr’encovar intimidades,
E a quem muito a alma sente lhe afeiçoa…
Um só! E as entidades
Celestes dele escutarão: é boa!
(Este poema está disponível em Versos)
Detalhes, em arte, são válidos desde que tonificantes
Detalhes, em arte, são válidos desde que tonificantes de uma impressão imediata. Quando se limitam a esconder “tesouros secretos” são, se muito, inúteis. Sutileza e esmero numa composição de primeira impressão inócua configuram desperdício. A arte de não dizer tudo arrisca-se ao ridículo de não dizer nada; basta olharmos ao cinema…
Objetivo: palavra inventada por homens
Penso nas concepções artísticas de Poe e Tolstói e, súbito, ponho-me a rir. De um lado, a construção de uma beleza suprema; doutro, a transmissão de um sentimento ao leitor. Objetivos: aí está a graça. Não sei por que, começo a pensar em arte e vem-me à mente o universo cego, representação máxima do acaso. Penso em tudo, como conjunto, e enxergo o nada, o céu vazio, a indiferença, a exterminação certa e a improbabilidade de um fim. “Objetivo” é palavra inventada por homens que, como homens, tende a perecer. Estrelas brilham por nada, uma galáxia imensa pode simplesmente sumir. E acabo refletindo sobre o antiquíssimo “esforço inútil”. A beleza se esconde na certeza da derrota? A misericórdia exige a queda? Se nada mais me interessa, por que exatamente tenho a arte como valorosa, indutora do sentido? Parece-me tudo, sempre, conduzir às mesmíssimas questões…