É curioso como a mente, a despeito de desconhecer limites para a intensidade com que experimenta seus estados, dificilmente consegue reconstituí-los com precisão. Com muito maior facilidade relembra atos cometidos, mesmo que estes tenham gerado efeitos psicológicos menos intensos, ou até nulos. Isso parece demonstrar que os estados psicológicos marcam somente enquanto indutores de alguma ação real; e é esta, afinal, que os torna recordáveis. Disso se pode extrair um preceito muito útil: quando se quer que um estado de espírito perdure, deve-se agir sob sua influência; quando se quer esquecê-lo, basta confiar à inação o seu dissipar.
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A função positiva dos sonhos…
A função positiva dos sonhos geralmente não passa de um estímulo à imaginação. Pode-se sonhar muito sem nada fazer; pode-se até viver em sonhos, deleitando-se e sentindo verdadeiramente ao sonhar. Há, porém, no tipo mais comum de sonho consciente, algo que, se não é exatamente lúdico, é com certeza livre do peso de uma ação real. Tudo isso muda quando o sonho toma forma de desígnio, de propósito, o que normalmente ocorre quando se abre mão de algo por ele. Aqui, o sonho densifica, o sonho já influi na vida e, em certa medida, começa a se concretizar. É verdade, é verdade: muitas vezes, permanece irrealizável, ou ao menos não se concretiza. Isso talvez não importe; a seriedade que ganha é suficiente para diferenciá-lo dos sonhos corriqueiros e, sobretudo, para decidir.
A mente possui mesmo esta tendência…
A mente possui mesmo esta tendência de irritar-se com pequenos e grandes distúrbios, prolongando indefinidamente a irritação, muitas vezes planejando alguma ação reativa, imaginando seus desdobramentos e enfrentando-os no plano imaginário. O que não costuma lhe ocorrer é que, esquecida, a irritação cessa. Mas se quiser mesmo vencê-la, se quiser mesmo transformá-la em algo positivo e edificante, basta que esmague as argumentações infindáveis do raciocínio instintivo manifestando, em ato concreto, benevolência perante o irritável. Como por mágica, a paz mental desponta e a irritação transforma-se num sentimento bom.
Observando repetidas vezes este fenômeno…
Observando repetidas vezes este fenômeno de assunção, ou de cristalização da personalidade, nota-se alguns casos muito curiosos em que ele se dá fora do tempo habitual, já na maturidade, às vezes à beira da velhice. Por algum motivo, se não por um efeito traumático, parece que as máscaras subitamente se caem, subitamente passam a ser desnecessárias, e o efeito é assaz curioso porque uma brusca mudança comportamental se dá num adulto já feito, já reconhecido como tal. E então, feito santo ou monstro, parece ser esta versão a única verdadeira; é certamente a definitiva.