No diário de Cesare Pavese, o suicídio pode ser facilmente entrevisto posto que encontramos, primeiro, a ideia suicida que lhe afigura repetidamente como solução, e, segundo, oscilações temperamentais que lhe turvam a razão. Em Antero de Quental, o quadro é todo outro. Antero é, entre outras coisas, um estoico — e isso implica simultaneamente as capacidades de aceitar a realidade e de controlar a si mesmo. Em Antero, a despeito do conflito psicológico atrocíssimo, encontramos a razão tomando as rédeas do instinto, e disso decorre que o espírito, acostumado a oscilações agudas, também vê-se acostumado a convertê-las em impulsos profícuos através da meditação. Como, aos quarenta e nove anos, pôde Antero suicidar-se? Por um lado, parece-me óbvio estarmos todos sujeitos às suscetibilidades da raça; por outro, parece-me errôneo querer atribuir causas comuns a um homem incomum.
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Frankl, Jung e Freud
Graças a Deus, não habito clínicas de psicologia, mas apostaria que a logoterapia de Frankl supera a psicologia analítica de Jung e a psicanálise de Freud juntas em taxa de casos de impressionante mudança comportamental e sucesso terapêutico. Na logoterapia, vejo claríssima uma porta de saída para o caso de boa aplicação; algo que enxergo, também, na psicologia analítica de Jung, mas não na psicanálise de Freud, que mais parece um sistema paliativo de que o paciente jamais se poderá livrar — ao menos, não em casos verdadeiramente sérios. É verdade: há casos e casos — talvez, baseio-me nos infrequentes para a conclusão. A psicanálise moldou-se aos seus pacientes, e para eles pode ser efetiva. A psicologia analítica, mais abrangente e profunda, também é capaz de tratá-los — embora talvez para alguns “tipos psicológicos” seja menos agradável e, consequentemente, menos satisfaça. Para muitos pacientes, basta-lhes o desabafo de rotina; mas para o desesperado, o expressamente desiludido que entre num consultório em desamparo pleno, carregando em mãos uma vida medíocre e insatisfatória, que lhe inibe metodicamente as aspirações e não entregue sentido — para este, o candidato a suicida, o sentar num divã confortável e movimentar os músculos faciais é inútil, e o discípulo de Frankl parece-me o melhor preparado para entregar-lhe uma solução definitiva e dificilmente alcançável por outras terapias.
Viver é crer na mentira
“L’arte de vivere è l’arte di saper credere alle menzogne” — diz, com acerto, Cesare Pavese. Para agir, é necessário crer; não há vida sem esperança, sem ao menos uma ínfima expectativa, um mínimo brilhar de olhos que, ao acordar, espera o hoje melhor que o ontem. O homem deixa-se iludir por necessidade psicológica; ilusões são alimento para uma mente programada para acreditar. É por isso que a análise do ser humano passa necessariamente pela investigação do irracional.
A constatação da fragilidade da vida
O cérebro humano, máquina programada para buscar e identificar padrões, — mesmo onde os não há, — só coagido admite as conclusões provenientes da constatação da fragilidade da vida. Parece-lhe antinatural ter como determinante e presumível aquilo que, num átimo, transforma bruscamente a realidade. A falsa lentidão do tempo o ilude, a morosa mudança de estados parece-lhe conduzir a um fim inexistente — e a máquina, assim, dá luz a juízos errôneos sobre a existência. A dinâmica imprevisível da vida aparenta querer forçá-lo a aceitar que nem tudo resume-se a uma relação de causa e efeito; mas, para ele, o fazê-lo é confessar a própria fraqueza e sucumbir ao irracional.