A “terapia motivacional”

Espanta verificar que, exatamente no século imediato à erupção dos gênios da psicologia moderna, faça tanto sucesso a chamada “terapia motivacional”. “Superar problemas”: eis a impossibilidade — quando, obviamente, consideramos traumas psicológicos reais — transformada em produto na era do marketing. Quando surgem os meios para um aprofundamento drástico na compreensão da psicologia do ser humano, da origem dos traumas e havendo a possibilidade de utilizar a cognição para minorar seus efeitos indesejados, reduzir-lhes os meios de ação — e jamais superá-los, eliminá-los, — o homem vira as costas ao conhecimento e opta pela senda da infantilidade, troca a prudência analítica pela psicologia feliz, a psicologia cuja prática resume-se em “pensar positivo” e agir feito uma criança frente aos traumas que avassalam, por vezes sem emitir sinal. Tudo parece evidência de que gênios, quando surgem, fazem-no em vão…

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Lolita, de Vladimir Nabokov

Vladimir Nabokov é autor que me agita como poucos. Seu Lições de literatura russa gerou-me fortíssima e ambígua impressão. Depois, entrevistas, como a da Paris Review, consolidaram a imagem que dele tenho em mente: um gigante, mas de uma arrogância que me escapa à compreensão. E simplesmente não entendo algumas pedras atiradas por Nabokov como, principalmente, em Dostoiévski: permaneço em cima do muro a julgá-las invejosas ou expressão de honestidade intelectual. Tanto faz: minha mente padece dessa necessidade insuportável de julgamento; eu, não. Pois abro Lolita e, repetindo o que disse alguns dias atrás: basta uma página para perceber-me diante de um grande escritor, uma página para impressionar-me com uma escrita maravilhosa, elegante, brilhante no estilo e potente no conteúdo. A prosa de Nabokov, em Lolita, é dotada do corpo que a língua inglesa parece carecer. E não é somente por isso que a obra brilha: Nabokov ensina aos pares de seu século que escrever sobre corrupção moral não exige a corrupção da língua. Lolita cava fundo: são páginas assustadoras sobre a psicologia de um pedófilo, ambíguas desde o princípio, já pelo moralismo controverso, já pelo comportamento de Humbert Humbert, o protagonista, que oscila entre sarcasmo, amor, dissimulação e desejo, corrompendo terrivelmente uma jovem garota e instalando-nos na cabeça a dúvida infame: terá mesmo corrompido? O mero questionar é a confissão da imoralidade que nos habita a mente. E a obra-prima a prova cabal de que, no homem, o hediondo mescla-se ao sublime.

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O embate entre vaidade e consciência

Algumas naturezas chegam a impressionar pela ausência completa do embate entre vaidade e consciência. Talvez pela própria tibiez da consciência, o que justifica vê-la absolutamente ignorada pelas correntes mais populares da psicologia. Em alguns, ela parece simplesmente se não manifestar. Mas incrível pensar em alguém que, nem uma única vez na vida, orça a mesquinhez da própria conduta, dos motivadores da própria “vontade”. Fazê-lo e não proceder com a condenação seria compreensível, mas o fato é que, na maior parte das pessoas, não há o menor vestígio do conflito.

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Realidade e sonho

Inclino-me a pensar que o contentamento humano brote do encontro entre realidade e sonho. Digo e penso imediatamente em D. Quijote. Há uma fronteira sinuosa, aparentemente muito mal definida, que une o real ao imaginário e parece progenitora da satisfação. O sonho, por si só, afigura-se-me qual impotente se desprovido de ligação com o concreto. É necessária uma ponte, um elo, ainda que sob a forma da esperança, do “irá acontecer”. De outra forma, o prático rapidamente esmaga o imaginado, gerando desalento e vergonha. Isso, é claro, em mentes saudáveis. Por outro lado, a realidade será sempre débil porquanto insuficiente: necessita, também, de um amplificador, algo que embeleze e tonifique a crueza do concreto. E isso, ainda que de forma sutil, não é senão fantasiar o real. Por isso intriga-me até que ponto D. Quijote não viveu o que sonhou, ou até que ponto viveu efetivamente. Louco ou mestre? Falta-me a resposta…

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