É realmente espantoso a que ponto chegou…

É realmente espantoso a que ponto chegou a psiquiatria moderna! É quase como se fosse necessário um recomeço do zero, uma queima conjunta de todos os livros e o abandono completo de todas as classificações. Um homem que apresente qualquer mínimo conflito interior já está infalivelmente doente; quanto a isso não há discussão. E aí ficamos a pensar no estado vexatório em que a ciência se colocou. Não se pode concluir outra coisa senão que o homem está tanto mais saudável quanto menos pense, ou quanto menos o pensamento lhe influencie a vida; em outras palavras: a ciência da mente estipulou como modelo de higidez mental o homem cuja mente não atua. Há nisto algo de maravilhoso e inacreditável; é sem dúvida uma proeza das maiores e não cansa de surpreender. Alta para o bobo alegre e terapia para os antissociais, para os melancólicos, para os misantropos, para os sorumbáticos, para os solitários e para os silenciosos! Terapia para aquele que não consegue chegar em casa do trabalho e sorrir coçando a barriga diante de uma televisão! Terapia, e que troquem para sempre os doentes as obras filosóficas por livros de colorir!

Ensinar os pacientes a viver

De mãos dadas ao marketing, a psicologia praticada nos consultórios deu para querer ensinar os pacientes a viver. Noutras palavras: querem os psicólogos dar lições de filosofia. Assim que se vai mesclando a psicologia com aquilo que dita o marketing, e uma visão de mundo risível, sem a menor profundidade, vai-se configurando como parâmetro de sanidade mental. Os psicólogos, em vez de trabalharem a própria falta de cultura e desconhecimento sobre a vida, têm transformado a ciência da mente em mero produto do bem-estar.

A “intuição” de Jung

De todas as funções psicológicas fundamentais junguianas, a “intuição” é a mais interessante e desafiadora para aqueles que buscam compreendê-las em profundidade. O próprio indivíduo no qual este mecanismo perceptivo apresenta-se acentuado, caso busque interpretá-lo, ver-se-á em grande dificuldade, posto que interpretá-lo seria em suma racionalizá-lo, e não se racionaliza o irracional. Demais, se comparamo-lo com a outra função irracional segundo a classificação de Jung, a “sensação”, esta parece sem dúvida mais compreensível e menos abstrusa para aqueles que a não possuem saliente, porquanto ativada através de estímulos mais facilmente visíveis e palpáveis. Como a “sensação”, é a “intuição” espontânea; mas embora, como diz Jung, seja uma faculdade exclusivamente perceptiva, trabalhando em conjunto com as funções de julgamento induz um parecer daquilo que percebe. Sai este, portanto, automático e calcado no inexplicável. O que sobretudo impressiona é o sair frequentemente carregado de certeza, uma certeza que desafia a lógica, posto calcada numa percepção irracional. E ver que esse mecanismo prova-se eficaz repetidas vezes, prova-se confiável a ponto de não somente rivalizar, mas invalidar conclusões alcançadas por outras faculdades — faculdades aparentemente mais lógicas — naqueles que a possuem pronunciada. Notável…

O mecanismo psicológico precursor das desilusões…

O mecanismo psicológico precursor das desilusões é uma das faculdades mentais mais interessantes que se tem notícia. Manifesta-se ele como uma necessidade, uma tendência natural inconsciente de projetar idealizações em entes e situações reais. Nas mentes que o experimentam, toda a atividade mental consciente parece propensa a descolar-se do concreto e mesclar-se espontaneamente com tonalidades subjetivas e fantasiosas, criando como uma realidade paralela em que a experiência é intensificada e apresenta-se em aspecto ideal. Freud, é claro, classificou como doença mental o pouco que entendeu deste mecanismo. Mas se, por um lado, concorre ele a acentuar, senão produzir futuros contrastes desagradáveis entre expectativa e realidade, convém notar que a criatividade é inteiramente dependente desta capacidade de atribuir qualidades fantásticas à experiência concreta. Desde o poeta que idealiza a mulher amada ao engenheiro que cria em mente o impossível, todos eles têm a inventividade, e portanto o próprio distintivo, originária desta mesmíssima faculdade mental.