As melhores decisões surgem após meditação longa, embora disforme, que concentra-se lentamente até um ponto em que extravasa com violência num impulso que, por ação volitiva, tem a vazão permitida de imediato: concretiza-se neste impulso, e perdura frutificando. A intuição, tomada no sentido junguiano, quando desenvolvida é capaz de manifestar-se carregada de uma certeza que sobrepuja o raciocínio. É o clarão de uma faculdade preciosa. Contrariá-la, nestes casos, é malbaratá-la. Por isso é justa a paciência em decisões importantes — mas, por vezes, o mais proveitoso é ter coragem para seguir a própria intuição.
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Neurociência e arte
Feliz surpresa o meu descobrimento das conclusões a que tem chegado a neurociência através da encefalografia. Todas elas corroboram quanto, pela experiência, tenho definido como metodologia de trabalho ideal. E há muito, muito para se conjeturar… Dizem-nos os neurocientistas que, no estado de atividade normal do cérebro, quando desperto, há predominância na emissão de ondas denominadas beta, assim como na execução de atividades que exigem alta concentração. Em contrapartida, em estado de relaxamento, reflexivo ou meditativo, pode haver no cérebro predominância na emissão de ondas de menor frequência, as chamadas alfa. O mais interessante — embora não seja novidade — é terem notado os neurocientistas uma relação entre emissão de ondas alfa e diversas manifestações cerebrais, como a criatividade. Essas observações vêm em amparo da seguinte teoria: na arte, há dois momentos distintos do processo criativo: o da ideação e o da realização. É presumível que, realizando a obra, predomine no cérebro do artista a emissão de ondas beta, posto esteja fortemente concentrado nos detalhes daquilo que está a criar. Não é, portanto, o momento em que brilharão as melhores ideias para a obra, se estão corretas as observações da neurociência. Destarte, é preciso que o artista defina um momento distinto para concebê-las ou, noutras palavras, que distribua em etapas o esforço cerebral, a fim de explorá-lo de forma mais inteligente. Não disseram os neurocientistas o que repito: a criatividade não funciona, no cérebro, como a execução de tarefas precisas; isso quer dizer que não se pode obter resultados imediatos e com a mesma regularidade ao estimulá-la. Mas se pode, certamente, estimulá-la de forma metódica, deixando-a trabalhar em seu tempo. É por isso que ao artista cuja rotina encerra regularmente estados semimeditativos, explosões criativas estão muito distantes de manifestações de Deus.
Idêntico mecanismo de estimulação mental
Linhas curiosas deste Aleister Crowley, em Eight lectures on Yoga:
Suppose I want to evoke the “Intelligence” of Jupiter. I base my work upon the correspondences of Jupiter. I base my mathematics on the number 4 and its subservient numbers 16, 34, 136. I employ the square or rhombus. For my sacred animal I choose the eagle, or some other sacred to Jupiter. For my perfume, saffron—for my libation some preparation of opium or a generous yet sweet and powerful wine such as port. For my magical weapon I take the sceptre; in fact, I continue choosing instruments for every act in such a way that I am constantly reminded of my will to evoke Jupiter. I even constrain every object. I extract the Jupiterian elements from all the complex phenomena which surround me. If I look at my carpet, the blues and purples are the colours which stand out as Light against an obsolescent and indeterminate background. And thus I carry on my daily life, using every moment of time in constant selfadmonition to attend to Jupiter. The mind quickly responds to this training; it very soon automatically rejects as unreal anything which is not Jupiter. Everything else escapes notice. And when the time comes for the ceremony of invocation which I have been consistently preparing with all devotion and assiduity, I am quickly inflamed. I am attuned to Jupiter, I am pervaded by Jupiter, I am absorbed by Jupiter, I am caught up into the heaven of Jupiter and wield his thunderbolts. Hebe and Ganymedes bring me wine; the Queen of the Gods is throned at my side, and for my playmates are the fairest maidens of the earth.
O paralelo com a arte é perfeito. Quer dizer: tanto o mago, quanto o artista, possuem idêntico mecanismo de estimulação mental. Seguindo os passos descritos por Crowley, isto é, incitando-se progressivamente em torno de um mesmo objetivo, sem dúvida é de se esperar uma espécie de êxtase, de extravasamento psíquico no ato da concretização desta longa sequência de esforços. Tornando as lentes ao artista, ou melhor, ao poeta, é de fazer rir o sentar-se ante a folha branca à espera da “inspiração”. Certamente, um poeta que assim procede é antiprofissional. O sentar-se, na arte, é o que representa a cerimônia na magia: o artista sério deve fazê-lo somente após completa a preparação necessária e quando a sentir-se inflamado, explodindo pela expressão de determinada ideia ou sentimento. Assim alcança, após meticulosidade científica nos aprestos, o estado de espírito propício para que lhe brote em mente o brilho e a justeza na expressão.
Antero de Quental e Cesare Pavese
No diário de Cesare Pavese, o suicídio pode ser facilmente entrevisto posto que encontramos, primeiro, a ideia suicida que lhe afigura repetidamente como solução, e, segundo, oscilações temperamentais que lhe turvam a razão. Em Antero de Quental, o quadro é todo outro. Antero é, entre outras coisas, um estoico — e isso implica simultaneamente as capacidades de aceitar a realidade e de controlar a si mesmo. Em Antero, a despeito do conflito psicológico atrocíssimo, encontramos a razão tomando as rédeas do instinto, e disso decorre que o espírito, acostumado a oscilações agudas, também vê-se acostumado a convertê-las em impulsos profícuos através da meditação. Como, aos quarenta e nove anos, pôde Antero suicidar-se? Por um lado, parece-me óbvio estarmos todos sujeitos às suscetibilidades da raça; por outro, parece-me errôneo querer atribuir causas comuns a um homem incomum.