Protestantismo e futuro próximo

O protestantismo, incentivando a livre interpretação da Bíblia, arrasou a unidade da doutrina cristã. Hoje, é dificílimo, talvez impossível dizer exatamente que deve fazer um cristão, posto tudo se tornou relativo: a exegese pode variar até a antinomia. Mas não poderia ser diferente: é este o resultado de milhares de pastores incapazes de ler uma bula de remédio interpretando os textos sacros. Em compensação, dependesse da passividade dos católicos, o cristianismo estaria morto. Digo isso e faço a constatação: no Brasil, o futuro está muito bem desenhado: haverá cada vez menor proporção de católicos nas próximas gerações, enquanto os protestantes tendem a ganhar espaço. E serão estes últimos a travar o conflito contra a mecanização cabal do ser humano, a inconsciência frente à realidade, o relativismo completo da moral, a negação da história e a ilusão da autossuficiência do homem.

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É meritório ser evangélico

Cá estou ironizando pastores, mas a verdade é que, em geral, tenho mais respeito por evangélicos do que por ateus. Quero dizer: em geral, encontro maior militância ateia que evangélica, e considero o sujeito que se acha inteligente ou superior por ser ateu um belíssimo idiota. Ser evangélico é meritório: envolve um esforço ativo que induz ao conflito espiritual. É-se ateu sem ler absolutamente nada; o evangélico, no mínimo, lê a Bíblia. Isso diz bastante: o ateu médio não reflete, não sabe e não busca saber o que se passa em sua vida; a Bíblia, porém, obriga o evangélico à reflexão. Um cachorro, por definição, não reflete e é ateu. Já a maioria dos evangélicos, sem dúvida, cultua a fé em silêncio e repetidas vezes. Comparando o evangélico comum ao ateu comum a conclusão é clara: este é ateu por inércia, aquele esforça-se pela fé. Por isso o meu respeito. E mais: o olhar evangélico diante da vida é um olhar corajoso. O ateu ordinário, por sua vez, é desprovido de qualquer profundidade de espírito, angústia existencial e caracteriza-se sumariamente por não pensar. O ateu comum compra um iPhone e conclui que o homem não precisa de Deus.

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Pastores evangélicos

O capitalismo é pleno entre os pastores evangélicos. Não que constitua algum demérito, mas capitalizar o nome de Deus soa-me um marketing demasiado agressivo. Por que novamente me meto onde poderia evitar? Em todos os tempos e em variadas religiões, foi o líder espiritual um asceta: negando os prazeres da carne, pagava pelo título de autoridade espiritual. Exatamente com a igreja evangélica isso mudou, e hoje o pastor veste traje completo, tem esposa e anda de Hillux. Será que só a mim causa estranhamento? Percebo, desconcertado, a obsessão de pastores com os fariseus: vejo-lhes condenando, num só pacote, o conhecimento e a ganância. Mas nunca vi, nem ouvi falar, em toda minha vida, de um único pastor de igreja mediana em dificuldades financeiras: mais, a pregação remunera-lhes qual exitosos empresários. Creio precisarmos de uma redefinição: que é a ganância? Sobretudo, que sempre representou a ganância nos tempos antigos?

Prossigo — e arrepio-me diante da obsessão: — só pode falar de ganância aquele que dá as costas ao dinheiro. E se vejo um pastor evangélico com mais dinheiro que seus fiéis, considero-lhe um hipócrita. Paciência, muita paciência com minhas generalizações… Mas não sou eu a pregar que somos todos irmãos. Por que o pastor não dá o exemplo? Poderia começar, de bom grado, partilhando-lhe a riqueza e guardando para si somente o necessário à vida — e a espalhar seu verbo, como mensageiro de Deus. Mas se contenta o pastor com tão pouco? De jeito nenhum! O pastor quer apartamentos e carros luxuosos, quer viajar pelo mundo e julga-se filho de Deus, isto é, julga-se apto a gozar, também, dos prazeres do capital. Muito bem, muito bem… E cada qual lidando com a própria ganância e mirando a face hipócrita no espelho.

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Imprecisão dos textos bíblicos

Há um argumento extremamente irritante na refutação dos textos bíblicos: a precariedade no processo de reconstrução e transmissão dos textos antigos. Ora, se considerarmos que os métodos de transmissão eram precários a ponto de comprometer a autenticidade do que foi escrito — e tivermos o mínimo de coerência, — então teremos de atirar no lixo tudo quanto foi produzido na Antiguidade; logo, estaremos proclamando a falsidade de, para citar um único exemplo, toda a obra de Aristóteles. Creio seja absurdo acreditar na falsidade do que foi escrito  e repassado à luz de milhares de testemunhas ao longo do tempo, em absoluto foco de atenções: para tanto, será forçoso acreditar na ação conjunta de muitos homens de distintas gerações em prol da falsificação. Isso, a mim, não é senão uma ofensa covarde à honrosa iniciativa de tantos ao longo dos séculos a fim de preservar o conhecimento humano; se procedemos desta forma, acabaremos por considerar, rigorosamente, inválida toda a produção cultural que não a da modernidade.

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