Grande senhor do espaço sideral…

Grande senhor do espaço sideral,
Devorador são d’almo comprimido,
Exímio, racional, desenvolvido,
Mentor da realidade virtual!

Parido de útero antinatural,
Prova que o acme humano fora obtido,
Inteligente, hab’líssimo e polido,
Produto da ciência neuronal!

Tu, que és da eficiência a suma imagem,
E bem-cuidado estampas-te no rosto,
Terás o que quiser, menos: coragem!

Tu mesmo, cidadão sofisticado:
Saibas que és a razão do meu desgosto!
Saibas que te contemplo envergonhado!

(Este poema está disponível em Versos)

O bicho extravagante

Assim como amanhece,
O bicho extravagante põe-se ativo,
Soltando o verbo vivo,
Expondo-lhe o juízo com finesse:
Diz alto e s’envaidece
De destacar-se sendo especialista
— E como é detalhista… —
Em tudo aquilo que lhe não concerne!
Então o verbo poderoso o cerne
D’alma em escuta, súbito, conquista
— E verbos há de sobra! —
Envenenar: eis a síntese da obra
Desse vaidoso e híbrido animal
Que uma perversa cobra
Alberga em centro do covil bucal!

E, pois, o ser se agita
Enquanto faz mexer a carne flácida,
A subalterna da ácida
E pérfida motivação que a incita,
E mexe, e em grã desdita
O fraco espírito apodrece pleno
Do insípido veneno
Que muito mais que um vírus contamina!
E mexe a cobra enquanto a má toxina
Qual vasta epidemia espalha o obsceno!
E mexe, e causa bulha,
Sacode mais irmãos da espécie grulha,
E mexe, e quanto faz de mal mascara:
De encasquetar se orgulha!
E mexe! e mexe! e mexe! E nunca para!

Mas há, porém, surpresa:
Do exato ventre que nutre a serpente,
Sai um ser diferente
Que nojo tem da própria natureza
E reage com grandeza
Surrando a pau qualquer cobra que fleche,
E, vendo o mexe-mexe,
Propõe ao ser mesquinho o Grande Trato:
“Sumas da minha frente e não te mato!”
— Mas nunca acha indivíduo que se vexe… —
E deixa que degrade
O mundo, não a si; pois, a verdade:
Da imensidão de cobras é malquisto,
Mas, em troca, a amizade
Só sua casta, em séculos, tem visto!

Oh, grandiosa virtude!
Qu’induz em terra, como qu’em milagre,
Que o gênio se consagre:
Exige o dote, e quando em solitude
Faculta-lhe amplitude!
Envolve as almas dignas dum baluarte;
E, do veneno, à parte,
Faz alojar, banhando o ser de glória,
Tornando-lhe a existência meritória!
E quanto é doce ou acre ela reparte,
Porém, hegemoniza
O doce, enquanto o acre neutraliza!
Co’ela operante e sã no ilustre ser
A alma prospera lisa
E o verbo brando passa a florescer!

Oh, vultosos proventos
Recebe aquele que tem um amigo!
Um só! Tê-lo consigo
Ao lado em toda sorte de momentos,
Um que partilhe intentos,
Banhar é de ânimo a própria existência!
Um só e a contingência
De detestável passa a ser benquista!
Um só que não inveje-lhe a conquista,
A repelir qualquer maledicência,
Tendo entre as qualidades
Saber sempr’encovar intimidades,
E a quem muito a alma sente lhe afeiçoa…
Um só! E as entidades
Celestes dele escutarão: é boa!

(Este poema está disponível em Versos)

O pagode infame

Paga-te cá bum contigo
Pátria que pá dum doído
Tapa te tacou teu filho
Tapa que tapou teu grito

Gabas-te qu’aqui tá tudo dum
Primor tá tudo tudo bom?
Data cá — tudo tudo bom? —
Pátria pá do vudu cupom

Quando em que data te o pudor
Sumiu da lata e te cegou?

Boteco fecha-te o do tapa
Que tapou-te o grito
— O tapa que talou-te o brio —

O eco que escapou emancipado
Te pagou-lhe infindo
Escárnio qu’escapou
Do Tejo ao teu telecoteco

Cala ingrata que toldou-te o brilho
Empaca-te o tambor teu filho
Em tapa te tratou aceita e

Paga-te cá bum contigo
Pátria que pá dum doído
Tapa te tacou teu filho
Tapa que tapou teu grito pá!

(Este poema está disponível em Versos)

Soneto nacional

Mirando o tíbio céu azul-cobalto,
Senhor entoava o verbo alegre e vivo:
“Viver de nessa terra não me privo!
Feliz sou no Brasil, que adoro e exalto!”

Pois quando olhava ao céu, meditativo,
Foi quando lhe tomou um sobressalto:
Irrompe um homem, anuncia o assalto,
E aponta-lhe um revólver, agressivo.

“Arre! A carteira! Passa, seu maldito!
Senão te mato, velho desgraçado!”
De lisas mãos, pôs-se o senhor aflito:

“Não há dinheiro” — assim lhe respondeu…
Estoura o tiro! Sangue ao ar jorrado.
Com peito perfurado, assim morreu.

(Este poema está disponível em Versos)