Oculta, serpejando em quarto escuro…

Oculta, serpejando em quarto escuro,
Vai ela deslizando, compassada…
E a quietação fá-lo ter-se seguro,
O ser que dorme e não percebe nada…

Pois delicadamente ela rasteja
Por baixo do lençol, não faz ruído,
E como acariciasse, eis qu’ela enseja
Se enrodilhar no membro protegido.

Deleita-se a despeito do perigo
Enquanto sonha o ser inconsciente…
Pois quando acorda, o susto! O triste amigo

Vê-lhe em redor da perna uma serpente.
Sobressaltado em má sorte imprevista,
Agonizante e imóvel: eis o artista!

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A mente nasce e, logo nasce, dorme…

A mente nasce e, logo nasce, dorme
E enquanto dorme sente o próprio talhe
A modelado ser inda que ausente
O tino. E os olhos em cada detalhe
Paz e harmonia enxergam uniforme
Configurando paulatinamente
Razão para que avive-se, contente,
O ser que cresce expondo-lhe o sorriso
No rosto, em pleno gozo,
Qual habitasse belo paraíso
Onde localizasse
A si envolto de anjos e o copioso
Amor se refletisse em própria face.
Ah, idade pura e bela
Em que a candura o terno olhar revela…

O tempo marcha: a mente aprimorando
A própria essência enquanto aprende e cresce
Estimulada pelo cristalino
E doce verbo que em redor floresce
E enquanto a doutrinar sorri cantando
O deslumbrante e hereditário hino
Que toca-lhe qual zéfiro divino.
E pouco a pouco a psique circunspecta
O raciocínio ensaia
E quanto lhe entra da visão conecta
Àquilo que do ouvido
Encheu-a e fez cristalizar. Pois raia
O silogismo ao cérebro induzido:
“Na vida o bem reboa;
A vida é alegria, a vida é boa!”

Formando como por automatismo,
Passivo, como em semissonolência,
Os arcabouços do discernimento,
As armações da própria inteligência;
Mirando o céu, à beira dum abismo,
Vagueia em círculo, em divertimento,
Sorrindo e mimoseando o pensamento,
Sorrindo e se iludindo enquanto passa
O tempo, e as convenções
Que lhe dotaram péssima couraça
Tornaram-no indefeso
E cego a ver pequenas frustrações
Que lentamente põem o próprio peso
Em pilha, quer sorria,
Quer chore o ser, quer seja noite ou dia…

Mas muda um dia, enfim, o ser sereno,
Um dia transfigura a mente fresca,
Um dia as pequeninas decepções
Convertem-se em montanha gigantesca!
Então desperta: o susto! Vê-lhe pleno
Do juízo! E a rebentar como rojões
Violentas e infinitas objeções
A tudo quanto desde o berço escuta!
“Oh, circo deplorável
É-me a existência! Argh! E quão fajuta
Doutrina inoculada
Foi em minha cabeça! O miserável
Sou eu! A vida olha-me em risada
Ao ver que choro e gemo!
Troquei por bem em mente o mal supremo!”

“Quimeras falsas, mentirosas tramas!
Viciosos, tredos todos os amigos!
E a estúpida rotina do momento
Refutação dos ideais antigos!”
Arregalados olhos, mente em chamas
Fazem ferver terrível julgamento
A começar do próprio nascimento:
“Consumação da violação suprema
Do mais fundamental
Direito: o de não ser! não ser! Sistema
Maligno e monstruoso!
Eu a tapar, precito, o abismal,
O gigantesco, o vasto, o nebuloso
Vazio! Não o meu,
O de outros! O de quem me concebeu!”

E os olhos, em revolta, evidenciam
A mente que arde e enfrenta o grande drama:
“Matar-me? Sim ou não? Coragem tenho?
Por que me oponho ao que minh’alma clama?
Encarcerados, quantos seguiriam
De mãos atadas e tranquilo cenho
A suportar o cárcere ferrenho
Possuindo a volição do livramento?
Por que não a ricina?
Por que continuar como um detento?
Aceito ser um frouxo?
Aceito ser escravo da rotina,
Servil, passivo, nulo feito um mocho?
Por que na paz espessa
Não mergulhar rompendo-me a cabeça?”

Mas raiva esfria, o grito ecoa e leva
Consigo o ímpeto, a severidade,
E agora põem-se os, antes, olhos fulos
Em pranto… E à mente aflita agora invade
Pesar profundo do anseio da treva,
Agora vis, agora todos nulos
Os julgamentos, raciocínios chulos,
A lógica mesquinha do egoísta
Que condenou, injusto,
Aqueles que o amaram, posto a vista
Centrou-lhe no desejo,
Na praga corrosiva, infesta. O susto
É mor agora ao ver-lhe a essência em pejo…
E chora a consciência
Sabendo ter partido a inocência…

Silêncio, solidão a mente envolvem,
Não há tristeza: o nome é apatia;
É a prostração mental, visto baldados
O esforço, o raciocínio, a rebeldia…
Memórias do perdido então dissolvem
Do inferno os julgamentos, qual soldados
Silentes, impalpáveis, camuflados…
Desilusão. Piedade. Abrindo a boca
Fará somente mal,
Melhor jamais falar. E, pois, evoca
A imagem do alemão
Filósofo, mentor, pai do hospital
Da mente: o Hospital da Negação.
Pois da aflição se exime:
“Mas não cometerei o grande crime…”

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No quarto, só, é noite e a luz apaga…

No quarto, só, é noite. A luz apaga,
O crânio pousa, a placidez não vem…
Por que não dorme, enfim? Não sabe bem,
Mas quando deita sente arder a chaga.

Fechando os olhos, a consciência esmaga,
Tratando-lhe a tristeza com desdém,
Qualquer esforço é vão, nada detém
O espectro que faz toda noite aziaga.

Não há permita-se erro ser sepulto,
Perdura a culpa e o arrependimento
Jamais será remédio pro tormento…

Não há cura pro mal, sequer indulto,
Errando um ser condena-se ao suplicio,
E não sai o remorso nem co’o exício…

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Dinheiro compra tudo! É milagreiro!

Dinheiro compra tudo! É milagreiro!
E ai de quem se opuser à lei do mundo!
O sem dinheiro é visto vagabundo,
E acaba se vendendo por dinheiro!

“Dinheiro compra até amor verdadeiro!”,
Ensina o gênio, lúcido e fecundo,
E não hesito nem por um segundo:
Melhor que ter amor, é ter dinheiro!

Dinheiro é pacifista, faz da guerra
A paz suprema, torna defensor
O desafeto, em tinta verde encerra

O paraíso em terra! Austeridade,
Teu mundo é outro! Sem dinheiro é dor,
Angústia, enfado e zero liberdade!

(Este poema está disponível em Versos)

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