Coragem!

Nova aula de Camões:

(Mote que lhe mandou o Viso-Rei)

Muito sou meu inimigo,
Pois que não tiro de mi
Cuidados, com que nasci,
Que põe a vida em perigo.
Oxalá que fôra assi!

(Volta)

Viver eu, sendo mortal,
De cuidados rodeado,
Parece meu natural;
Que a peçonha não faz mal
A quem foi nella criado.
Tanto sou meu inimigo,
Que por não tirar de mi
Cuidados, com que nasci,
Porei a vida em perigo.
Oxalá que fôra assi!

Tanto vim a accrescentar
Cuidados, que nunca amansão
Em quanto a vida durar,
Que canso ja de cuidar
Como cuidados não cansão.
S’estes cuidados, que digo,
Dessem fim a mi e a si,
Farião pazes comigo;
Que pôr a vida em perigo,
O bom fôra para mi.

____________

Leia mais:

As luzes faíscam do seio das trevas

Trecho de Camilo Castelo Branco, em Lagrimas Abençoadas:

Como é que da seiva do erro se nutrem viçosas as vergonteas da verdade? As luzes faiscam do seio das trevas. Ha máximas preciosas que brilham ao clarão dos incendios philosophicos.

____________

Leia mais:

Quem há que não se espante?

Vamos desta abertura magnífica de uma das epístolas de Camões:

Quem póde ser no mundo tão quieto,
Ou quem terá tão livre o pensamento,
Quem tão exprimentado, ou tão discreto,
Tão fóra, emfim, de humano entendimento,
Que ou com público effeito, ou com secreto
Lhe não revolva e espante o sentimento,
Deixando-lhe o juizo quasi incerto,
Ver e notar do mundo o desconcêrto?

Quem ha que veja aquelle que vivia
De latrocínios, mortes e adulterios,
Que ao juizo das gentes merecia
Perpétua pena, immensos vituperios,
Se a Fortuna em contrário o leva e guia,
Mostrando, emfim, que tudo são mysterios,
Em alteza d’estados triumphante,
Que por livre que seja não s’espante?

Quem ha que veja aquelle, que tão clara
Teve a vida, qu’em tudo por perfeito
O proprio Momo ás gentes o julgára,
Inda quando lhe visse aberto o peito,
Se a má Fortuna, ao bom somente avara,
O reprime, e lhe nega seu direito,
Que lhe não fique o peito congelado,
Por mais e mais que seja exprimentado?

____________

Leia mais:

Ser ou não ser o que de fato somos

Vamos da abertura do excelente ensaio Banquete de ossos, de Bruno Tolentino, publicado em 1998 e atualíssimo:

À beira das comemorações do Manifesto Antropófago, dentre os mais supervalorizados subprodutos paulistanos, meditemos no pobre estado de nossa linguagem. Passemos sobre a confusão de nossas idéias, coisa herdada dos subprodutos do neopositivismo oitocentesco, já que, no primeiro caso, o problema é bem mais recente, produzido para nós para uso e abuso doméstico e, portanto, reparável por uma difícil, mas urgente, restauração da língua que nos foi legada pelo colonizador à sua dignidade original, isto é, lusitana com muita honra! Não somos uma variante afro-cafuza da lusofonia, nosso dilema não é “tupi or not tupi”, é, ainda e sempre, ser ou não ser o que de fato somos: uma grande e sempre por si mesma renovada civilização lusófona.

____________

Leia mais: