Se o que distingue o ser é o ato…

Se o que distingue o ser é o ato, e o que caracteriza o ato é a escolha, é preciso repetir mil vezes que o indivíduo sempre se torna as escolhas que faz, e que a sabedoria se resume a saber escolher. O problema é que a escolha, enquanto elemento unificante, é menos uma decisão que uma prática perene, de forma que, sem esta continuidade, desfigura-se, chegando mesmo a se anular. Escolher, portanto, envolve decidir e manter-se fiel à decisão.

A experiência das guerras do último século…

A experiência das guerras do último século marcou de tal forma a literatura que. às vezes, provoca-nos tédio vê-la novamente relatada, uma vez que já nos encontramos tão distantes e ela já foi há muito tempo assimilada. A verdade, porém, é que ela não foi de forma alguma assimilada ou, pelo menos, as gerações que hoje vivem não se apoiam sobre suas lições. Era de se esperar que, com tantos relatos, com tantos exemplos de intelectuais jogados como prisioneiros, e que tomaram esta circunstância como combustível para a própria vocação, algo mudasse na compreensão humana da existência, e que daí surgisse, no mínimo, uma geração vacinada contra os erros do passado recente. Mas não, não… é um mito essa coisa de que uma geração parte do ponto alcançado pela precedente. Hoje, há de se ler e reler os relatos passados como experiências que provavelmente voltarão.

Algumas biografias geram em nós…

Algumas biografias geram em nós, modernos, um efeito semelhante àquele que se experimenta quando, após aborrecer-se com alguma ninharia ou reclamar-se da vida, encontra-se um morador de rua. Porque, em verdade, justamente mendigo foram alguns dos nomes mais célebres da literatura universal — célebres, aliás, não pela condição material que tiveram, mas pela grandeza de suas obras. E então descobrimos como nos tornamos incapazes de suportar misérias, uma vez que, a nós, pouca coisa já incomoda muito, e uma fração das adversidades suportadas por tantos de nossos antepassados seria suficiente para nos liquidar. Ao menos, o constrangedor é proveitoso.

Apesar do grande risco de degeneração…

Apesar do grande risco de degeneração inerente às relações humanas, deve ser, mesmo, uma grande satisfação participar de um ambiente de intercâmbio cultural, tal como os que houve e os que há em diferentes países, onde um pequeno grupo de intelectuais com comunhão verdadeira de interesses conversam, ensinam, aprendem, se ajudam e se desenvolvem. O que mais parece benéfico, e nem sempre ocorre, é o contato entre diferentes gerações, que possibilita a transmissão pessoal de um legado, o que deve ser igualmente satisfatório para aqueles que o transmitem e aqueles que o recebem. Em verdade, é o que poderia ser realizado pelas universidades, se estas não se tivessem metido em tantas formalidades. Não se pode subestimar o valor da presença física — ausente nos livros —, e, portanto, a cultura deve muito a estas pequenas associações informais.