Essa coisa de atribuir heroísmo a assassinos…

Essa coisa de atribuir heroísmo a assassinos depravados é algo que muito irrita nos livros de história, e é repugnante ver neles a naturalidade com que são narradas as perversidades mais assombrosas movidas pela ambição mais desprezível e, pior, o efeito inócuo destas nos pareceres do historiador. Heroísmo é sempre desprendimento, nunca o contrário. A normalização da barbaridade é a pior mácula histórica no caráter europeu.

Diante da possibilidade da morte próxima…

Diante da possibilidade da morte próxima, o homem comum desmorona, terrificado, e passa a comportar-se como um primata. Quer dizer: o medo lhe anula a razão e o faz parecer uma criança. Por isso e por outras, o medo da morte é o primeiro que há de ser vencido e é aquele cujo vencimento liberta, estimula e enrijece o espírito. Suplantá-lo é transformar-se e, de certa forma, é também suplantar todos os outros temores.

É muito peculiar esta tendência comportamental…

É muito peculiar esta tendência comportamental do homem para com seus contemporâneos: ao mesmo tempo que não se impressiona, quando não despeita o verdadeiramente extraordinário, abona e encomia tudo quanto compõe a faixa que parte do medíocre ao verdadeiramente desprezível. Daí que nunca se pode confiar num julgamento coevo a respeito de nada, sob o risco de embarcar nas mais escandalosas fraudes e injustiças. Sempre é preciso aguardar que a história, despojadamente, coloque cada coisa em seu devido lugar.

Já foi notado que grandes autores…

Já foi notado que grandes autores frequentemente emergem como reações a grandes crises sociais, e que mais estimulante é o ambiente agressivo que aquele pacato, controlado, inofensivo, que não ameaça diretamente o autor e que, portanto, não promove senão inércia. Tudo isso está correto; mas falta notar que, para que a reação aconteça, é preciso haver uma educação que possibilite o notar-se a dimensão da crise, isto é, é preciso que o autor tenha claríssimos em mente os fundamentos precípuos de uma civilização, algo que lhe exige, sobretudo, distanciar-se daquela em que vive para que possa usá-la como elemento de comparação.