Especializar-se no cotidiano é especializar-se em ter uma opinião imediata, quer malformada, quer pouco meditada sobre tudo. Em pouquíssimo tempo, o cérebro se acostuma à pobreza de critérios e se convence até de que a meditação é desnecessária, por nada poder adicionar. É claro que, muitas vezes, tem-se uma intuição acurada dos fatos, intuição, aliás, que meditação nenhuma poderá substituir. Mas, tratando-se do cotidiano, o que se apresenta como “fato”, quase sempre, é a falsificação de um fato ou, no máximo, o próprio irreconhecível por coberto por uma embalagem vigarista projetada para deturpá-lo. Sendo assim, e sendo frequentemente maçante e dificílimo retirar-se-lhe o envoltório, o melhor, a menos que o sentido de dever se manifeste, é deixá-lo para lá.
Observando repetidas vezes este fenômeno…
Observando repetidas vezes este fenômeno de assunção, ou de cristalização da personalidade, nota-se alguns casos muito curiosos em que ele se dá fora do tempo habitual, já na maturidade, por vezes à beira da velhice. Por algum motivo, se não por um efeito traumático, parece que as máscaras subitamente se caem, subitamente passam a ser desnecessárias, e o efeito é assaz curioso porque uma brusca mudança comportamental se dá num adulto já feito, já reconhecido como tal. E então, feito santo ou monstro, parece ser esta versão a única verdadeira; é certamente a definitiva.
De toda a infinita lista de defeitos…
De toda a infinita lista de defeitos que se pode apontar na arquitetura brasileira, se existir mesmo algo que atende por esse nome, talvez aqueles que mais se sobressaem pela originalidade são, primeiro, a absoluta ausência de traços comuns entre uma construção e a vizinha, traços comuns aqueles sem os quais arquitetura nenhuma do mundo pode produzir harmonia num ambiente; segundo, a ausência, também absoluta, de traços que evidenciem uma tradição arquitetônica, traços que, para além de evidenciar uma conexão com a história, quando replicados configuram os mesmos traços comuns produtores de harmonia. O resultado, em suma, é essa paisagem urbana horrível, que patriotismo ou estupidez de nenhuma espécie é capaz de defender.
Se é verdade que a profissão…
Se é verdade que a profissão, ou melhor, o ganha-pão exerce inevitável influência nos temas sobre os quais se inclinam os escritores a abordar nas suas obras, há, certamente, profissões e profissões. O direito, em maior ou menor medida, inclina à percepção de burocracias e injustiças intermináveis. O jornalismo, à perfídia. Nestes dois exemplos, é difícil que a temática não conduza, também, a um determinado tom. Portanto, apesar de ambas as áreas de atuação aparentarem possuir um elo íntimo com as letras, cai-se facilmente em lugares-comuns quando nelas se busca a matéria-prima para a obra. Por outro lado, profissões aparentemente menos ligadas às letras, como a medicina, especialmente a medicina de consultório, fornecem um arsenal de experiências humanas variadíssimo e muito difícil de classificar. Neste caso, não parece a extração do material vir acompanhada da sugestão de temática, nem do tom.