A leitura de místicos

Leio místicos com verdadeiro prazer. Místicos: homens que proclamam ver o que não vejo, que argumentam com aquilo que não posso comprovar. E prazer, é claro, por saber-me eliminando até o último vestígio a presunção ignorante que caracteriza o homem deste século responsável por moldar-me. Alegra-me constatar que possa haver outros com faculdades que não possuo, que não represento o modelo humano em plenitude de capacidades. Lê-los, a mim, é sempre uma lição de humildade.

Nota futura

Tenho a nota pronta, mas ainda não posso escrevê-la… Oh, ansiedade! Venha, tempo! Já imagino o prazer, a alegria em transcrever-me a frustração nestas palavras: o russo é muito, é infinitamente mais fácil que o latim! Ler Dostoiévski e Tolstói no original é brincadeira perto de compreender Tácito, Virgílio, Ovídio etc., etc. Venha, tempo! Não posso esperar por esta publicação! Só de pensar em meu dicionário latino quero rasgá-lo, queimá-lo, atirá-lo para longe, eliminá-lo para sempre da minha vida. Já não suporto essa muleta, sem a qual não avanço um parágrafo em autores clássicos… E o russo… que dizer do russo? Aguardemos…

Esterilidade e mérito

No Simbolismo, foi a esterilidade vista como virtude e opção artística. Contudo… como dizer? É natural naquele que emprega todo o espírito na arte, que dedica-se integralmente à arte produzi-la em abundância. Fecundidade é, em grande parte, dedicação. Nos simbolistas, não foi caso isolado o desleixar-se, nem o entregar-se à depravação. Meditemos: como é possível prezar o artista que não preza a si mesmo e destrói-se em hábitos baixíssimos? o artista que lhe menospreza o talento e emprega-se majoritariamente em atividades mesquinhas? É verdade: há casos em que a obra fala por si só. Mas o artista estéril se limita: sua obra, ainda que forte, carece de abrangência, multiplicidade — qualidades que provavelmente lhe seriam alcançáveis pelo esforço. De tudo isso, a conclusão: um gênio torna-se aquilo que engendra e, em última instância, a dimensão é-lhe condicionada, também, ao empenho.

A fama nunca deixa de acorrentar e corromper

É desolador constatar que a fama nunca deixa de acorrentar e corromper. Exceções são raríssimas. E a consequência disso é que o sucesso, ainda que merecido, chega para destruir. Vasculha-se o passado e se lhe descobre a carência de ídolos autênticos, ídolos que, ascendendo, mantiveram-se fiéis a si mesmos. E assim encerram biografias descrevendo rascunhos lamentáveis de personalidades que se permitiram ofuscar.