Uma psicologia que submeta o inconsciente — e consequentemente a personalidade — a estímulos exclusivamente externos pode até ser efetiva e aplicável ao homem comum, mas nunca será apropriada ao modelo humano superior. Nisto reside uma clara limitação da psicanálise. É verdade que a experiência, o meio e o resto deixam marcas, mas estas podem ser ínfimas se comparadas às do raciocínio na mente que aprendeu a menosprezar o exterior e especializou-se em pensar. Neste caso, traça-se como uma linha divisória entre seus primeiros anos e o momento em que descobriu a própria faculdade. Descobrindo-a, passa a exercitá-la numa análise comportamental minuciosa, que julga-se validando ou invalidando o que motiva-lhe o agir. Depois, opera uma remodelação — ou aprimoramento — da própria personalidade, em que estímulos internos passam ocupar o inconsciente. O resumo: o ser liberta-se das correntes psicológicas — caso as haja — e constrói-se, tornando-se quem deliberadamente deseja ser. Buscar no passado as justificativas para o comportamento de um ser como este, tirando-lhe a responsabilidade de agir como age ou ser como é, é mostrar-se absolutamente incapaz de compreendê-lo.
O escritor profissional tem obrigação de ter sempre em mãos uma caneta
O escritor profissional tem obrigação de ter sempre em mãos uma caneta e um bloco de notas, — acordado ou dormindo, — sejam físicos ou virtuais. Do contrário, perderá grande parte de suas ideias, prejudicará seu trabalho e não será digno do epíteto profissional. Histórias tomam corpo, soluções são encontradas quando o raciocínio consciente descansa e o cérebro trabalha silencioso. Inopinada embora previsivelmente, ele se manifesta, então é dever do profissional registrar-lhe de imediato a manifestação, senão tende a perdê-la. Prezando pelo próprio trabalho, o escritor nunca se dará o luxo de desperdiçar seus momentos de inspiração.
A história de grandes homens que se destacaram da multidão
Já disseram — Carlyle? — que a história da humanidade é a história de grandes homens que se destacaram da multidão nula que a compõe. Disto, a tragédia moderna: a estrutura social democrática simplesmente coíbe a ascensão de grandes homens, colocando-lhes no lugar demagogos abjetos, escravos da vontade popular. Para ascender e alcançar reconhecimento, o homem moderno precisa transformar-se num porta-voz da maioria estúpida, deixando de lado sua individualidade para tornar-se um animador de circo, um agitador de multidões. Justamente o distinto é que não pode ascender, sendo esta possibilidade exclusiva para aqueles que se assemelham ao maior número possível de indivíduos. O fracasso!
É curioso como Kierkegaard, um escritor prolixo…
É curioso como Kierkegaard, um escritor prolixo, — que peca por ser prolixo, — dificilmente me irrita. Embora há trechos de sua obra que causam-me grande tédio, ainda assim não me provocam irritação. Já outros… Oh, Deus! O nome da vez é Jean-Paul Sartre. Como é possível que Sartre, um escritor notável, faça-me desejar desaprender a ler, quando suporto muitas e muitas páginas que sobejam da prosa de Kierkegaard? Parece-me que tolero a prolixidade quando noto o estado emotivo do autor, quando noto que o tema lhe é caro e, sobretudo, quando noto-lhe a sinceridade. Em contrapartida, se o autor despende palavras em nada, se foge do tema proposto, perdendo-se em raciocínios fúteis e vaidosos, gastando-me a vista, então um impulso incontrolável aponta-me o caráter exasperante do que estou a ler. Fecho a obra, bato-a contra a prateleira e verbalizo um insulto. Às vezes, arrependo-me… Não é o caso. Indescritível a alegria de abandonar Sartre para puxar um volume de Helena Blavatsky. Santa irritação!