A melancolia, tão frequente em artistas, matéria-prima de quase toda obra poética, classificada por Poe como “the most legitimate of all the poetical tones”, parece estranha à minha natureza. Caio em melancolia, se é que posso assim dizê-lo, somente quando distraio-me em questões do cotidiano. Tendo melancolia, é claro, com a tristeza entre suas manifestações. Se tomada como um desencanto geral — que não necessariamente redunda em tristeza — então sou dela íntimo como um irmão. Aflição, tortura psicológica, conflito mental interminável: estes tenho-os naturais como o dia e a noite. Não sei de onde vem essa disposição psicológica, mas pela tristeza me não sinto unido a nenhum dos grandes poetas.
É necessário a vocação da liberdade para reconhecer-se um escravo
Em primeiro plano, o mundo prático; depois, o próprio pensamento. Amarras, grilhões por todas as partes. Um campo de ação limitadíssimo e um papel a cumprir, por necessidade. Onde quer que o raciocínio direcione-lhe as lentes, lá estão as garras da conveniência. E nada disso assusta, tudo isso não constitui senão a normalidade. Uns poucos — loucos — porém despertam. Manifestam-se pela revolta. A eles, pela blasfêmia, toda a ferocidade com que um animal reage quando sente-se ameaçado. E resta a revolta, portanto, desaconselhada — para aqueles que seguem conselhos. Já aos poucos, a felicidade de saberem não ser a maioria. Como disse Fernando Savater, é necessário a vocação da liberdade para reconhecer-se um escravo.
Estoicismo aplicado à inteligência emocional
A partir do momento em que empresários, ou seja, homens do dinheiro, ou seja, homens que dedicam a vida a crescer financeiramente, expandir negócios, conquistar mercados e todo o resto, a partir do momento em que esses homens fazem discursos citando Marco Aurélio e Sêneca ou, como eles dizem, os “estoicos”, então o melhor é queimar de uma vez todos os livros, porque eles são inúteis e nada ensinam. O marketing talvez seja a mais odiosa das ciências por não ter escrúpulos, por apropriar-se de tudo quanto se apresenta útil para vender. Num bom dicionário, haveria de ser descrito como a arte da mentira. Ver aberrações conceituais como “estoicismo aplicado à inteligência emocional” é algo que poderia conduzir à indignação ou desespero. Não conduz, porém, desde que o mundo passe a ser encarado como é: um circo ridículo e infame.
O panorama moderno de degradação cultural
Não há como deixar de enxergar o panorama de degradação cultural em que a sociedade moderna se afundou. Juntamente da ascensão da maioria, em plano superior colocadas suas preferências. O resultado? A alta cultura desprezada, reduzida ao supérfluo. Preceitos comportamentais ditados por uma psicologia de massa infame: todos, obrigatoriamente, a partilhar gostos e hábitos, sob ameaça de punição. E se o acesso foi, como nunca, facilitado, a facilidade redundou em perda de interesse pelo antes raro, em perda de valor. Que fazer, enxergando esse cenário? Contra as imposições da força numérica, nada há de possível: a escala de valores conjunta escapa ao campo de ação do indivíduo. Mas esta é desprezível como tudo o que provém de qualquer maioria. Resta forçoso, porém, uma reação cultural com violência sem precedentes.