Um congresso que reunisse todos aqueles que dizem acreditar no futuro do homem acabaria, sem dúvida, numa terrível desavença. Discussões acaloradas, faces tingidas de sangue e olhares raivosos: somente assim se poderia passar. É simplíssimo o psicológico de alguém que venera palavras como “futuro” e “progresso”. Este alguém leva-se a sério, acredita em si mesmo, possui “convicções”. Acreditar no futuro do homem é acreditar em si mesmo como agente transformador, é ter soluções e querer propô-las, defendê-las, combatendo quem quer que apresente oposição. “Acredito no futuro do homem”, diz alguém, e o ouvinte inteligente já infere o “e você também deveria acreditar!”.
Como é possível?
“O homem nunca se assume pouco inteligente” — assim disse e adiciono: foi-me a maior humilhação descobrir-me, já adulto, um analfabeto. Senti-me absolutamente humilhado ao perceber-me incapaz de ler em meu próprio idioma e, portanto, encontrei-me exatamente um analfabeto. Intolerável! Um único recurso de estilo — estes presentes em cada frase de um grande escritor — privava-me do sentido de um período — um verdadeiro terror julgar inútil o próprio dicionário! — Mas por que digo isso? Percebendo-me apedeuto, passei a estudar gramáticas com fervor quase religioso. Hoje, a surpresa: estes livros maçantes têm-me parecido agradáveis. Como é possível?
O homem assume-se injusto, mas nunca pouco inteligente
O homem assume-se injusto, grosseiro e mau-caráter, mas nunca pouco inteligente. Essa é-lhe a única humilhação intolerável. Mesmo o mais rasteiro dos ignorantes — e este principalmente — acha-se inteligente ou, no mínimo, esperto. Faça-se o mundo de auditório e solicite-se que levantem a mão apenas as bestas: nem uma única mão se levantará. O homem — ele e sua vaidade — não admite essa possibilidade. Do contrário, seria nivelar-se conscientemente a um animal — algo inadmissível, e impossível quando lhe falta justamente a consciência.
Desaparece sempre o encanto quando se conhece alguém em profundidade
Desaparece sempre o encanto quando se conhece alguém em profundidade. Por isso as relações não perduram agradáveis senão quando há distância. Aquele que admira há de ter sempre em mente a fragilidade das admirações. Mata-se qualquer ídolo com uma investigação diligente, com um excesso de curiosidade que resulta sempre na violação mental da idealização. Do contato com o próximo tira-se proveito somente quando travado em doses homeopáticas.