Só há humildade no silêncio, na abstenção, na recusa de potencialidades. Uma convicção externa, também, um julgamento da própria faculdade mental. Apenas busca convencer aquele que tem a si mesmo em grande estima. O ser humano confessa um crime, mas é incapaz de admitir, pelo silêncio, a fraqueza do intelecto. A loquacidade é, por isso, o sinal mais evidente da pouca sabedoria.
O sujeito lê o jornal e quer dizer ao mundo suas opiniões
Impressiona o interesse do indivíduo — e não sei se deveria dizer desgaste — por aquilo que lhe escapa totalmente ao campo de ação. O sujeito lê o jornal e quer dizer ao mundo suas opiniões. Discute com o vizinho, revolta-se na divergência, atrita com quem quer que lhe conteste. Então compra mais jornais, busca informar-se mais para, na próxima ocasião, aniquilar os adversários de um debate que jamais levará a lugar algum. Despende tempo e nervos no inútil. Lê, para cada página de jornal, uma a menos de Shakespeare. Não compreende a própria insignificância, ignora o caráter nocivo da própria postura. Mas prossegue, é claro, em nome de sua maior virtude: a vaidade.
A razão tem de reconhecer que há uma infinidade de coisas que a ultrapassam
De Pascal:
A última tentativa da razão é reconhecer que há uma infinidade de coisas que a ultrapassam. Revelar-se-á fraca se não chegar a conhecer isso. É preciso saber duvidar onde é preciso, afirmar onde é preciso, e submeter-se onde é preciso. Quem não faz assim não entende a força da razão.
A Casa de Rembrandt
Sigo por um dos ensaios de Valéry sobre Leonardo da Vinci e, subitamente, tenho de fechá-lo, perdido em recordações. Leio “pintura” e a palavra evoca-me em mente o dia em que caí, por um acaso, por uma sorte tremenda e inédita, dentro da Casa de Rembrandt. Entrei no museu e nem sabia quem fosse Rembrandt, era incapaz de uma mísera nota biográfica. E então, já no primeiro quadro, fui violentamente agredido: estaquei diante da obra, perplexo. Jamais havia sido atingido por uma pintura e, naquele dia, pude dimensionar-me a falta de cultura. Lembro-me de que fiquei, feito uma besta, aproximando-me e afastando-me dos quadros, reparando-lhes, primeiro, os efeitos quando observados à distância e, em seguida, os detalhes, as pinceladas individuais, com feição que remetia aos índios em primeiro contato com os europeus. Desliguei-me do que se passava em redor e impressionava-me com a profundidade, a criatividade na disposição dos planos e a carga emocional das telas. Quando assustei, o museu estava para fechar e o relógio denunciava-me as quatro horas passadas na casa que, se percorrida a passadas leves, toma não mais de dez minutos do visitante. “Nunca entrou num museu” — deviam estar comentando entre si os funcionários, enquanto se livravam de mim. Mas, naquele dia, um analfabeto deixou um museu convencido de que esteve, por quatro horas, na presença do maior pintor de todos os tempos. E nunca mais esqueceu.