Se houver mesmo um inferno em que os hipócritas padeçam…

Se houver mesmo um inferno em que os hipócritas padeçam, que saiba a sociedade moderna onde irá aventar seu verbo e implantar suas convenções. A hipocrisia é a substância desta dita era do marketing e está arraigada no âmago de sua fundamentação. Sem hipocrisia, já não há relações sociais: é por ela que o homem moderno exibe-lhe a inteligência e a boa educação. “Era do marketing”, e hipocrisia é uma bela versão portuguesa de marketing. O mundo seria mais honesto se o bom trabalhador dissesse: “Trabalho com gestão de hipocrisia”. Mas é claro que jamais o fará. O bom trabalhador não pode sequer ser sincero com os companheiros de trabalho, com os vizinhos, com os amigos, com a família… Será que o inferno comporta tanta gente? Por outro lado, dois caminhos há para o não hipócrita moderno: (1) operar um aniquilamento total das relações sociais ou (2) viver normalmente, sob a pena de ser amplamente odiado e malquisto em todos os círculos, senão desempregado ou pedinte. Fora disso é história…

As visões do céu e do inferno de Swedenborg

Pode-se dizer várias coisas das visões do céu e do inferno de Swedenborg, exceto tratarem-se de obra de um espírito capcioso. Swedenborg possui a virtude suprema da sinceridade: não tenta iludir, esconder-se, abre-lhe a alma e busca expressar-se com a maior clareza possível — ou seja, trata-se de um espírito leal. É por isso, sobretudo, que não merece ser ironizado. Em casos como este, a ironia não passa de uma manifestação mesquinha…

Segundo Swedenborg, não serei aceito no céu

Se procederem as didáticas explicações deste curioso Emanuel Swedenborg, não serei aceito no céu. Não serei e adiciono: em hipótese nenhuma. Se não o céu, então… Mas reflito: necessariamente tenho de ser aceito nalgum lugar? Sou forçado a ansiar por aceitação? Estou, desde o princípio, condenado a suplicar que me aceitem? Se é assim, está excluída a possibilidade da rejeição plena: alguém terá de me aceitar — e eu, naturalmente, também terei de aceitar quem me aceite: todos privados da volição, condenados a juntarem-se à força num grupo. Desalentador…

A obsessão em raciocinar sob todos os ângulos possíveis é a morte…

A obsessão em raciocinar sob todos os ângulos possíveis é a morte do raciocínio: não há limites para o pensamento, os pontos de vista nunca se esgotam. Por isso qualquer tratado ou sistema que se pretenda completo está desde o princípio fadado ao fracasso. O raciocínio amplo exige a confrontação de proposições contrárias e, invariavelmente, anula-as uma a uma quando abordadas com isenção. Se alarga a obra, alarga aniquilando-se e mostrando-se cada vez mais falha. Para todo raciocínio válido há um raciocínio contrário igualmente válido. Se o pensador opta por abrangência, tem obrigatoriamente de abrir mão da assertividade — e, por conseguinte, da potência.