O homem moderno tem esta distinção: julga-se importante. E corre a um psicólogo quando inconscientemente suspeita que não é. A depressão que sofre aos quarenta começa na infância e estende-se pela juventude, quando cresce bombardeado de mentiras, alimentando em mente uma falsa visão de si mesmo. Sorri porque a vida oferece-lhe maravilhosas perspectivas; “futuro” é-lhe sempre palavra auspiciosa; passa a acreditar. E, com os anos, tem de encarar severas frustrações. A culpa é da vida? É óbvio que não: a vida nada tem que ver com a presunção do animal! A vida é vítima de uma falsificação epidêmica, de uma incompreensão assustadora e de um aviltamento sem precedentes. Um jovem é treinado, como um cachorro, a dar determinadas respostas para “o que fará da vida”, respostas socialmente admiráveis, e aprende a enxergar o mundo sob uma ótica medíocre, valorizando aquilo que não tem valor. Começa errando a respeito de si mesmo e termina errando a respeito da vida.
A grandeza de um artista não se mede segundo os “belos sentimentos” que ele desperta
Novamente, vamos de Nietzsche:
A grandeza de um artista não se mede segundo os “belos sentimentos” que ele desperta: só as mocinhas acreditam nisso. Mas segundo a intensidade que emprega para atingir o grande estilo.
Bênção ou debilidade?
Pode-se admitir sem muita dificuldade que um cachorro é capaz de pensar. Contudo, certamente um cachorro não acredita. Digo isso e noto um diferencial humano. Diferencial que não consigo resumir em bênção ou debilidade: o acreditar eleva o ser humano acima de todos os outros animais na mesma medida em que o torna suscetível ao erro e ao mal. Se nutro grande estima pelos céticos, percebo que lhes falta algo. Às vezes parece forçoso abraçar uma fraqueza para transcender a mediocridade do concreto…
A crise da meia-idade
Muitos psicólogos colocam demasiada ênfase nos aspectos saudosistas da chamada “crise da meia-idade”. Não lhes nego a importância, mas creio configurarem tão somente a manifestação banal de um problema que pode ser muito mais profundo. Meia-idade geralmente denota encarar o fracasso, ver enterrado aquilo que um dia se chamou de “sonho”. Noutros casos, em casos de “sucesso”, caracteriza o período onde se escancara a inutilidade das próprias conquistas, a estupidez da vida cotidiana e a falta de ânimo para avançar. Tudo isso em razão de uma frustração quanto ao presente e não de um desejo de reviver o passado. Aos vinte, a vida é interessante porque promissora, porque repleta de “perspectivas” que o tempo cuida eclipsar. O indivíduo, então, depara-se imerso num vácuo. Em última instância, a meia-idade não faz senão lhe evidenciar a falta de sentido da existência. Mas faz, também, com que ele abra os olhos e raciocine, e se há algo que podemos chamar de “maturidade”, esta geralmente exige o que a psicologia clínica chama de “depressão”. O depressivo testemunha a própria sanidade mental.