É interessante notar como varia aos extremos o psicológico de grandes artistas. Em comum se lhes nota a sinceridade. Mas como divergem, por exemplo, na visão que nutrem da própria obra! De um lado, exemplos como Kafka e Flaubert, em que a obra lhes parece não somente ruim, mas lhes machuca, aflige ter de pari-las e mirá-las posto são guiados por algo como que uma necessidade. De outro lado, figuras como Nietzsche e Pessoa, onde o desalento ante o espelho não somente parece inexistente, como se lhes nota com frequência uma vistosa imodéstia. Que concluir? Fica evidente que a grande arte é destino a que levam múltiplos caminhos.
Ganhando a simpatia das pessoas
Opiniões são, sobretudo, desagradáveis. A nível individual, é escusado dizer: são as amarras, os grilhões do pensamento. A nível coletivo, quem as suporta? Nunca uma opinião é tão oportuna quanto seria deixar de dizê-la. As pessoas gostam de ser escutadas, não de escutar. Por isso é tão fácil lhes angariar a simpatia: basta relacionar com elas em silêncio, isto é, ouvi-las sem nada dizer. Se isso é possível, ou até suportável, aí é outra conversa…
Livro do desassossego, de Fernando Pessoa
Releio esse formidável Livro do desassossego e sinto-me forçado a brindá-lo com algumas palavras. Impressiona não somente a originalidade, mas a capacidade ímpar do poeta em sustentar a atmosfera que lhe é característica. Alternando descrições e pensamentos, revelando todo um universo interior de um banalíssimo “ajudante de guarda-livros” lisboeta, são trezentas e cinquenta páginas harmônicas, ritmadas, que expressam um estado mental meditativo e uma percepção refinadíssima. O poeta consegue ser agudo, potente e por vezes cruel sem parecê-lo, numa prosa tão bela que blinda-se contra qualquer sentimento repulsivo e afaga o espírito do leitor. Grande arte, grande filosofia, páginas imortais. Viva, Pessoa!
Quando se perde a tradição
De Pessoa:
Quando o povo perde a tradição, quer dizer que se quebrou o laço social; e quando se quebra o laço social, resulta que se quebra o laço social entre a minoria e o povo. E quando se quebra o laço entre a minoria e o povo, acabam a arte e a verdadeira ciência, cessam as agências principais, de cuja existência a civilização deriva.