Ciência e democracia

Ciência e democracia: os vocábulos mágicos do ocidente pós-moderno. Quando convertidos em adjetivos ou advérbios, conferem a qualquer termo um caráter incorruptível, magnífico, sagrado. E a política, nojenta política, não faz senão explorá-los. O processo não guarda segredo: é apoiar-se, em nome da “ciência” ou da “democracia”, à realização da própria vontade. E então espoliar liberdades. Quem será o louco a se declarar anticiência? E a ciência pode dizer — deve dizer! — ser questão de saúde pública algo como a gestação artificial, ou a extinção de carne vermelha dos cardápios, ou qualquer outra medida que, impreterivelmente, deve ser adotada por todos, sob pena de multa ou cadeia — aqui, é claro, a atuação do deus Estado. Muito bem! Pois se é sobre o nome da “ciência” e da “democracia” que este século se apoiará para avançar sobre a liberdade individual, folgo em declarar-me, a mim mesmo, o primeiro animal anticiência e antidemocracia do ocidente.

Filosofia científica: a piada que não se conta numa mesa de jantar

Sou apresentado a um filósofo “genial” cuja obra integra perfeitamente a filosofia e a ciência. “Um positivista?” Negativo. E, segundo o gênio, correntes como o existencialismo tratam-se de pseudofilosofia. É-me o sorriso automático. Estou, em verdade, em ótimos dias: graças a Pessoa, dediquei várias centenas de páginas à astrologia. Creio, porém, que o filósofo genial me não tomará o tempo da leitura de um sumário. A mim é gritante: a filosofia só se harmoniza com a ciência quando deixa de tratar dos grandes problemas do homem — justamente aqueles que extrapolam o escopo da ciência. Integrar filosofia e ciência é, de forma prática, mutilar a filosofia e ignorar a aplicabilidade real da ciência. Mas admito: não há surpresa. Conquanto “filosofia científica” seja uma piada grosseira, daquelas que não se conta numa mesa de jantar, é natural que a presunção humana queira colar, em todos os substantivos disponíveis, o qualitativo supremo: assim se garante a vitória sobre o passado — velhíssimo passado…

Um sujeito comum não se mata por um problema matemático

Um sujeito comum não se mata por um problema matemático, nem por sua incompreensão da termodinâmica. Talvez o faça um físico, desde que tal problema, para ele, tome cunho existencial. Mas o sujeito comum, assim como o físico, mata-se após uma grande perda financeira, afetiva, ou após uma decepção amorosa. Percebe-se, aqui, um traço comum entre ambos, ou um problema que a ambos atinge. Sucede que esse problema, exposto pelas mais variadas maneiras, é o problema central da existência humana. E não posso deixar de notar, entre todas as mentes mais brilhantes da história, a minha predileção por aquelas que foram capazes de enxergá-lo.