A utopia máxima é a estabilidade — e um erro grosseiro buscá-la num mundo essencialmente instável. Numa realidade de movimento contínuo e obrigatório, mesmo o medo perde-lhe o caráter justificável: a palavra é adaptação.
O bicho extravagante
Assim como amanhece,
O bicho extravagante põe-se ativo,
Soltando o verbo vivo,
Expondo-lhe o juízo com finesse:
Diz alto e s’envaidece
De destacar-se sendo especialista
— E como é detalhista… —
Em tudo aquilo que lhe não concerne!
Então o verbo poderoso o cerne
D’alma em escuta, súbito, conquista
— E verbos há de sobra! —
Envenenar: eis a síntese da obra
Desse vaidoso e híbrido animal
Que uma perversa cobra
Alberga em centro do covil bucal!E, pois, o ser se agita
Enquanto faz mexer a carne flácida,
A subalterna da ácida
E pérfida motivação que a incita,
E mexe, e em grã desdita
O fraco espírito apodrece pleno
Do insípido veneno
Que muito mais que um vírus contamina!
E mexe a cobra enquanto a má toxina
Qual vasta epidemia espalha o obsceno!
E mexe, e causa bulha,
Sacode mais irmãos da espécie grulha,
E mexe, e quanto faz de mal mascara:
De encasquetar se orgulha!
E mexe! e mexe! e mexe! E nunca para!Mas há, porém, surpresa:
Do exato ventre que nutre a serpente,
Sai um ser diferente
Que nojo tem da própria natureza
E reage com grandeza
Surrando a pau qualquer cobra que fleche,
E, vendo o mexe-mexe,
Propõe ao ser mesquinho o Grande Trato:
“Sumas da minha frente e não te mato!”
— Mas nunca acha indivíduo que se vexe… —
E deixa que degrade
O mundo, não a si; pois, a verdade:
Da imensidão de cobras é malquisto,
Mas, em troca, a amizade
Só sua casta, em séculos, tem visto!Oh, grandiosa virtude!
Qu’induz em terra, como qu’em milagre,
Que o gênio se consagre:
Exige o dote, e quando em solitude
Faculta-lhe amplitude!
Envolve as almas dignas dum baluarte;
E, do veneno, à parte,
Faz alojar, banhando o ser de glória,
Tornando-lhe a existência meritória!
E quanto é doce ou acre ela reparte,
Porém, hegemoniza
O doce, enquanto o acre neutraliza!
Co’ela operante e sã no ilustre ser
A alma prospera lisa
E o verbo brando passa a florescer!Oh, vultosos proventos
Recebe aquele que tem um amigo!
Um só! Tê-lo consigo
Ao lado em toda sorte de momentos,
Um que partilhe intentos,
Banhar é de ânimo a própria existência!
Um só e a contingência
De detestável passa a ser benquista!
Um só que não inveje-lhe a conquista,
A repelir qualquer maledicência,
Tendo entre as qualidades
Saber sempr’encovar intimidades,
E a quem muito a alma sente lhe afeiçoa…
Um só! E as entidades
Celestes dele escutarão: é boa!
(Este poema está disponível em Versos)
A acuidade de Carl Jung
É incrível notar a acuidade de algumas observações de Jung quando aplicadas à conduta geral e os seus reflexos naturais numa sociedade. Quando percebemos que há uma busca por validação externa operando incessantemente e englobando mesmo os atos estritamente individuais, entendemos porque há um grau tão elevado de submissão ao meio — este, tido em massa como o árbitro soberano. Disso à exigência pública de uma conduta contra a própria vontade, — ainda que dissimulada, — sob pena de cadeia ou linchamento, não vai um palito. E os reflexos? Quão previsíveis! O homem social é amputado de personalidade; é uma marionete do comportamento coletivo. Basta que um imbecil suba a um palanque, convença uma claque, e então a massa infinita de ovelhas, por medo e necessidade, estará a abraçá-lo.
Detalhes, em arte, são válidos desde que tonificantes
Detalhes, em arte, são válidos desde que tonificantes de uma impressão imediata. Quando se limitam a esconder “tesouros secretos” são, se muito, inúteis. Sutileza e esmero numa composição de primeira impressão inócua configuram desperdício. A arte de não dizer tudo arrisca-se ao ridículo de não dizer nada; basta olharmos ao cinema…