Elementos do humor de qualidade

Estou aqui, como um escritor profissional de piadas, deixando-me levar por meu espírito essencialmente analítico e dissecando os elementos do humor de qualidade. Penso em Voltaire. A ironia, se bem aplicada, não conduz às gargalhadas, mas entrega uma satisfação duradoura, sustentável por um longo intervalo. No caso de Voltaire, obviamente, os efeitos da ironia saem como que secundários a uma postura filosófica que lhe dita o tom da obra. Mas voltemos às piadas: parecem-me o absurdo e o exagero os elementos fundamentais das melhores, e a surpresa como resultado essencial. Aqui, as gargalhadas. O mesmo Voltaire fornece um ótimo exemplo: impossível não lembrar do inesquecível anabatista Jacques, qualificado como “bon”, “honnête” e “charitable” por várias páginas em Candide, cuja aparição sempre trata de evocar bons sentimentos e que, subitamente, ao pedir auxílio a um marinheiro em meio a uma tempestade, é atirado brutalmente ao mar pelo desconhecido. O exagero da violência, o absurdo do ato cruel, repentino e injustificável trazem, naturalmente, a gargalhada plena, mas não pelo simples exagero ou absurdo, e sim pela naturalidade com que ambos são apresentados. Neste detalhe parece-me residir o segredo do melhor humor: na exposição do grotesco como fosse vulgar.

A aparência de monotonia mescla-se a transformações visíveis

O excepcional deste mundo é que a aparência de monotonia mescla-se a transformações visíveis e radicais. A impossibilidade do absoluto, conquanto evidente, camufla-se na falsa morosidade do tempo. A percepção vê-se, sempre, envolta num dilema: incapaz de formular projeções razoáveis, de interpretar precisamente a realidade, ainda assim carece do juízo e opta pelo erro. Tudo em movimento, tudo suscetível a golpes abruptos intempestivamente: a saúde a um triz da doença, a carência da abundância, a apatia da agitação. E o futuro, estranho à lógica, jamais deixando de ceder palco à contingência.

Grande senhor do espaço sideral…

Grande senhor do espaço sideral,
Devorador são d’almo comprimido,
Exímio, racional, desenvolvido,
Mentor da realidade virtual!

Parido de útero antinatural,
Prova que o acme humano fora obtido,
Inteligente, hab’líssimo e polido,
Produto da ciência neuronal!

Tu, que és da eficiência a suma imagem,
E bem-cuidado estampas-te no rosto,
Terás o que quiser, menos: coragem!

Tu mesmo, cidadão sofisticado:
Saibas que és a razão do meu desgosto!
Saibas que te contemplo envergonhado!

(Este poema está disponível em Versos)

A gratidão é um exercício nobre

Lembro-me do dia em que decidi iniciar estas notas. Como todas as decisões importantes, essa veio-me como uma rajada, tomando-me a mente e forçando a ação imediata. No instante seguinte, a reflexão sobre o que escrever. O consenso: começar pelos agradecimentos. Então escrevi sobre Nelson, Dostoiévski, Swift, Pondé e alguns outros, e não tardou uma semana da decisão à publicação das primeiras notas. Pois bem. Ao iniciado, não vejo postura razoável que não seja a de humildade; é necessário prestar contas àqueles que contribuíram, de alguma forma, à sua iniciação. A gratidão é um exercício nobre e proveitoso, o reconhecimento é uma exigência do caráter. Digo isso para concluir: a faculdade do agradecimento parece-me um belo parâmetro para distinguir aquele que, por esforço voluntário, empenha-se para ser maior do que a própria vaidade.