Obsessão em Nelson

Tenho pensado muito, muito em Nelson Rodrigues, o primeiro e talvez mais importante de meus mestres. A ausência de uma aposentadoria, as doenças, as censuras, as tragédias… tudo isso moldando uma concepção de mundo. O olhar triste e atento à natureza corrompida do homem. A sucessão inacreditável de desditas, o envelhecer acompanhado de seguidos rompimentos, a coragem para trilhar rumo à morte. E ainda assim, o bom humor, a ironia imortal e a capacidade de enxergar luz onde parece não haver.

O implante capilar tingido e lindo…

O implante capilar tingido e lindo,
A pele a aparentar ser espontânea,
Mirar o espelho: alegria instantânea!
O lábio cheio, a visão distinguindo…

Oh, como é bom poder viver sorrindo!
Adeus, odiosa banha subcutânea!
Adeus, velhice sempre extemporânea!
Por fim a má tristeza é império findo!

Saúdo a ti, ó grande tecnicismo!
Saúdo a ti, ó cirurgia clínica!
Tornais belíssima a matéria cínica,

Ornais mui bem o pérfido organismo,
Embelezais o gênio indecoroso,
O que fazeis, em suma, é primoroso!

(Esse poema está disponível em Versos)

Meses de inércia

Três meses sem compor um único e solitário verso. A mente fervendo como nunca. Como desculpa os outros trabalhos e o estúpido imperativo da necessidade. Em mais de uma oportunidade, a sensação de explosão próxima, o apelo da mente por gravar em arte o juízo potente e terrível, o grito em forma de verso. E, lamentavelmente, o silêncio, a inação racional a deixar que o impulso abrande. Com efeito, ele abranda — e o destino tem nova chance. Debalde, contudo, pois certamente voltará…

Dia e noite…

Em pensamentos, o movimento último e extremo não executado em vida. E as consequências, todas elas afligindo e pulsando tão logo a cabeça pouse e os olhos fechem. A necessidade de aniquilar, jamais se esquecendo de uma única palavra, levando a cabo todos os impulsos violentos controlados pelo racional manifestando-se, todas as noites, enquanto reina o silêncio no exterior. Em vida, em arte, o esforço por abrandá-los, o esforço por lhes mascarar o caráter monstruoso, o esforço pelo predomínio da consciência. E assim a mente submerge em dupla vida.