Dostoiévski e a técnica artística

Proverbiais são as críticas ao estilo de Dostoiévski. Não somente os russos, como também desconhecedores do idioma costumam dizer de Dostoiévski prolixo, impreciso e muitas outras coisas, a taxar-lhe os textos como mal escritos ou mal acabados. Destes, entretanto, é maioria os que reconhecem o imenso valor da obra de Dostoiévski, o que nos expõe uma questão interessante. Hemingway, em A Moveable Feast, coloca-a nos seguintes termos: “How can a man write so badly, so unbelievably badly, and make you feel so deeply?” A resposta é simples: o que há na obra de Dostoiévski ultrapassa a técnica artística. Sobre esta, guardo-me as inúmeras ressalvas ao so unbelievably badly para quando for capaz de ler em russo — cautela, aliás, que faltou a Hemingway. Mas a questão expõe outra ainda mais interessante: qual é o objetivo da arte? como a grande arte se manifesta? E enganam-se os críticos que julgam o essencial da arte residir na técnica. A grande arte destaca-se, primariamente, pela potência de expressão, pelo efeito que é capaz de gerar. E o estilo, a técnica, a forma são acessórios que contribuem para a criação desse efeito, muitas vezes amplificando a expressividade da obra artística. Intenções diferentes, técnicas diferentes… E distinguindo o essencial, é possível entender como autores de estilos tão díspares como Hemingway e Dostoiévski conseguem, ambos, entregar-nos obras de enorme valor.

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A consciência evoluída tem de portar-se como uma empresa

É curioso notar o movimento da psicologia das massas. Para além da noção utilitária do próprio valor, agora, a consciência evoluída tem de portar-se como uma empresa, isto é, não somente aceitá-los de bom grado, como ansiar por feedbacks. Escuta, ó alma, peça-os e agradeça, sempre! E as relações — todas elas! — dotadas de um caráter comercial. Quer dizer: o ser humano passa a existir em função da “satisfação dos clientes”. De sorriso esticado na face, mostra-lhe a maturidade quando se esforça por agradar. Sempre os outros, sempre o extra, sempre o grupo como critérios soberanos de validação dos próprios atos. E o “senso comum” forçando a universalidade da submissão… Oh, espécie! cujos resquícios da dignidade parecem subordinados a uma migração voluntária de indivíduos de volta à floresta…

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As provinciais, de Blaise Pascal

O revide corajoso de um homem à tirania de seu tempo; a confirmação de uma biografia comovente; o manifesto de uma das mentes mais brilhantes de todos os tempos. Como ler e não se emocionar, não deixar-se tomar da revolta? A sinceridade com que Pascal se expressa lhe desvela toda a nobreza de caráter. Insubmissão ao tribunal dos homens, arrojo para resistir em desvantagem, coragem para colocar tudo a perder: ler As provinciais é verificar a manifestação mais alta da dignidade no espírito humano, é permitir-se o contato com uma alma nobre, límpida e eterna.

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Do artista o fado é voz dar ao complexo…

Do artista o fado é voz dar ao complexo,
Banhar-se imerso em contradita forte,
Certeza ter, então, perder o norte,
Quedar, por fim, inválido e perplexo.

Chorar mirando o juízo desconexo,
Ansiar por luz e não achar suporte,
Curvar-se ao mesmo tempo à vida e à morte,
E divisar no ambíguo o seu reflexo.

Oh, dura guerra interna e verbo pobre!
O mesmo enigma que à verdade encobre,
Perturba o espírito, à razão retalha,

Arroja a mente em campo de batalha
Sem armas, em fraquíssima armadura,
Trajada do indumento da loucura!

(Este poema está disponível em Versos)

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