O grande artista não se limita a recriar a existência

A mais nítida linha divisória entre artistas inferiores e superiores separa aqueles que fazem arte por brincadeira e aqueles que transmitem através da arte um juízo sobre a vida. O grande artista não se limita a recriar a existência: ele expõe um julgamento sem rodeios, desnuda-se em prosa ou verso. Ele escolhe a temática, constrói um arco visualizando-lhe o efeito, submete o conjunto a um sentimento ou impressão, impregnando a criação de um estado de alma, de um sentimento proveniente do seu juízo. É por isso que há arte artificial, arte fraca, que não comove nem convence. Há artistas protocolares, que brincam e limitam-se a copiar modelos, que fazem arte pela vaidade de fazê-lo, que seguem tendências, que, incapazes de emitir um juízo pessoal sincero, fazem arte pensando em agradar.

Literatura a chicotadas

Escrevi, como que forçado, uma peça e outros dezenove Casos — agora são quarenta e nove, e disso para mil dista um pulo. Acontece o seguinte: é engraçado, quando faço versos, sinto saudade da fluidez da prosa. Mas, à exceção destas Notas, a prosa só me sai a contragosto. É pôr-me a criar narrativas e já começo a pensar em quando as acabarei, em quando me livrarei da obrigação que psicologicamente contraí. Dois volumes de Casos, em sequência, e eu desistiria de tudo. Cansa-me principalmente o método, a estruturação da narrativa e, depois, a execução. O estilo pede concisão, lógica, encadeamento, e a mente parece trabalhar amarrada. A temática surge espontaneamente e torna-se uma ordem. Versos… estes, ao menos, agrada-me tê-los feito quando já esqueço como os julguei ao final…

O horror da vida é a consciência dela

O horror da vida é a consciência dela. É o prever e acertar. É o sentir consoante o esperado. Ver tudo acontecendo, de olhos abertos. Constatar a previsibilidade das coisas, a futilidade infame do esforço, a mediocridade de quanto se pode alcançar. É o viver e não simplesmente ir vivendo, por uma impossibilidade irreversível. Perceber que a consciência, uma vez desperta, não mais torna a dormir. Ser incapaz da vista grossa que caracteriza as pessoas comuns, a saudável falta de percepção — em suma, a aceitação passiva da realidade.