Não à trapaça linguística!

Leio cem páginas de Heidegger e atiro o volume ao espaço. Insuportável! Cem páginas estéreis envoltas na linguagem mais abstrata do universo, cem páginas de retórica que aparenta profunda, mas turva o pensamento, engana fingindo versar sobre as últimas verdades não sendo senão oca e evasiva. Terrível, terrível… Mas como foi prazeroso interromper a trapaça linguística! dizer não à falsificação da filosofia! Desculpem-me os idólatras, mas só enxergo valor na filosofia útil a alguém que, desesperado, encosta o cano de um revólver numa têmpora. Se bem que, em verdade, uma página de Heidegger basta para que qualquer um puxe o gatilho…

(PS: a publicação desta nota, como a de algumas outras, falhou no sistema. Agendado originalmente para 29-01-21)

A maturidade exige a experiência do desvio

Disse ontem e prossigo na ideia: se me dessem, aos quatorze anos, uma bomba nuclear, eu garanto que a faria explodir. Sem dúvida! Explodi-la-ia, no mínimo, para ver o que acontecia, pela curiosidade da explosão. Mas aí está: ninguém, aos quatorze anos, recebe de presente uma bomba nuclear. As outras bombas — todas que me passaram em mãos! — as explodi, e as que não tinha, mas vi, trabalhei por consegui-las e cuidei, também, que explodissem. Hoje, não tenho o menor interesse por bombas. Os maus elementos de quem aprendi e a quem lecionei, também não — majoritariamente. A mim tudo isso é assaz natural… A maturidade exige a experiência do desvio, da libertinagem, da transgressão. Mais do que isso: malícia é uma disciplina de aulas práticas. Mas onde quero chegar? Falei em maturidade: não se amadurece aos sessenta. Depois de uma idade, o homem limita-se a ser o que é.

Contraste de gerações

O século XXI talvez tenha operado a mais drástica mudança comportamental de toda a história, e a evidência disto é o contraste patente entre as últimas gerações. Recordo-me a infância e a juventude e comparo-a com a atual: o jovem que fui aparenta de outra espécie. Mas engraçado! O jovem que fui presenciou, vivendo, esta mudança. O que experimentei, na rua, já praticamente não existe, e mesmo para mim deixou de existir. Entretanto, a escola de que fui aluno desde cedo e, aos quatorze ou quinze anos, deu-me o diploma após me exigir todas as manifestações mais extremas da licenciosidade, fazendo-me o sangue experimentar picos de adrenalina que jamais sentirei novamente e treinando-me para a vida, parece morta. Digo isso porque, após certa idade, já se não entra nessa escola: a idade traz facilitadores que inviabilizam o aprendizado real. E os jovens de hoje, trancados, protegidos das emoções e dos perigos da rua, crescem ignorando-a. Mas aqui está o contraste maior: aos vinte, eu via-me um velhaco cansado do mundo; aos vinte, um jovem de hoje vê-se inapto ao mundo e, por vezes, — oh, tragédia! — louco para experimentar.

Soneto nacional

Mirando o tíbio céu azul-cobalto,
Senhor entoava o verbo alegre e vivo:
“Viver de nessa terra não me privo!
Feliz sou no Brasil, que adoro e exalto!”

Pois quando olhava ao céu, meditativo,
Foi quando lhe tomou um sobressalto:
Irrompe um homem, anuncia o assalto,
E aponta-lhe um revólver, agressivo.

“Arre! A carteira! Passa, seu maldito!
Senão te mato, velho desgraçado!”
De lisas mãos, pôs-se o senhor aflito:

“Não há dinheiro” — assim lhe respondeu…
Estoura o tiro! Sangue ao ar jorrado.
Com peito perfurado, assim morreu.

(Este poema está disponível em Versos)