Prazer que é despertar na expectativa…

Prazer que é despertar na expectativa,
Estimulado a cada nova aurora!
Abrir os olhos e dizer: “Agora
É fazer o que me enobrece e aviva!”

E já de pé, disposto e mente ativa,
A alma voltar àquilo que vigora,
Àquilo que da vida faz altiva,
O espírito enche e a prática aprimora!

O livre-arbítrio, dádiva bendita,
Permite converter o tempo forte
Em cúmplice! E o que, pelo afinco exita,

Provando-se maior que a própria sorte,
Fulgindo mais que a luz da própria estrela,
Acabará dizendo: a vida é bela!

(Este poema está disponível em Versos)

Contrariar o conveniente

Quando o grosso da rotina escorre, dia após dia, em questões de ordem prática, em atividades banalíssimas que se impõem sobre todas as outras, é muito difícil se não colocar a maldizer a existência. A solução mais simples: impedir que o intelecto se manifeste, calar a mente, nunca deixá-la expandir. Sendo tarde, quer dizer? buscar prazer na vida prática? arrumar esposa? filhos? Talvez… Do contrário, é reagir em contraposição ao imperativo da necessidade e, sofrendo as consequências do desdém para com o conveniente, encontrar satisfação no ato voluntário de revolta. Não há o que maldizer… há?

Mais lições…

Primeiro contato com a obra de Paul Valéry. O estilo salta aos olhos, em verso e em prosa. Vasculhando-lhe a biografia, encontro a agressão: seus Cahiers somam duzentos e cinquenta e sete volumes em que, dia após dia, durante cinquenta e um anos, Valéry construiu seu monumento de trinta mil paginas. Trinta mil páginas! Palavras de Carpeaux: “O altíssimo Paul Valéry é um dos prosadores mais brilhantes da língua francesa.” — “Há quem prefira a prosa de Valéry à sua poesia. Há quem considere Valéry maior artista que poeta. Como inteligência em prosa e como artista em verso não há, neste século, quem se lhe compare.” Palavras que dão o que pensar…

Elementos do humor de qualidade

Estou aqui, como um escritor profissional de piadas, deixando-me levar por meu espírito essencialmente analítico e dissecando os elementos do humor de qualidade. Penso em Voltaire. A ironia, se bem aplicada, não conduz às gargalhadas, mas entrega uma satisfação duradoura, sustentável por um longo intervalo. No caso de Voltaire, obviamente, os efeitos da ironia saem como que secundários a uma postura filosófica que lhe dita o tom da obra. Mas voltemos às piadas: parecem-me o absurdo e o exagero os elementos fundamentais das melhores, e a surpresa como resultado essencial. Aqui, as gargalhadas. O mesmo Voltaire fornece um ótimo exemplo: impossível não lembrar do inesquecível anabatista Jacques, qualificado como “bon”, “honnête” e “charitable” por várias páginas em Candide, cuja aparição sempre trata de evocar bons sentimentos e que, subitamente, ao pedir auxílio a um marinheiro em meio a uma tempestade, é atirado brutalmente ao mar pelo desconhecido. O exagero da violência, o absurdo do ato cruel, repentino e injustificável trazem, naturalmente, a gargalhada plena, mas não pelo simples exagero ou absurdo, e sim pela naturalidade com que ambos são apresentados. Neste detalhe parece-me residir o segredo do melhor humor: na exposição do grotesco como fosse vulgar.