Os modelos de metrificação de Said Ali e Castilho

É interessante comparar os modelos de metrificação propostos por Said Ali e Castilho. Por um lado, é difícil negar que o modelo de Castilho, de praticidade imensa, estabelece critérios assaz úteis e aplicáveis à interpretação de quase a totalidade dos versos metrificados em língua portuguesa. Entretanto, se comparamos ambos os modelos, já não entre si, mas com modelos de outras línguas, percebemos que a metrificação proposta por Said Ali permite uma interpretação mais coerente dos movimentos rítmicos tradicionais da poesia. Decompor um poema em unidades rítmicas (pés) em vez de decompô-lo em sílabas poéticas parece favorecer-lhe a apreciação enquanto composição ritmada. Considerando o fim do verso exatamente na última sílaba tônica temos, muitas vezes, de romper a cadência natural do verso, ainda inacabado. Há, sobretudo, composições que não permitem versos esdrúxulos, para citar um exemplo. E, sabendo do sucesso tremendo do modelo de Castilho, impressiona que uma contraposição frontal (e assaz pertinente) como a de Said Ali tenha passado praticamente ignorada entre os poetas da língua. Por quê?

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Fraga e sombra, de Carlos Drummond de Andrade

Um soneto de Drummond:

A sombra azul da tarde nos confrange.
Baixa, severa, a luz crepuscular.
Um sino toca, e não saber quem tange
é como se este som nascesse do ar.

Música breve, noite longa. O alfanje
que sono e sonho ceifa devagar
mal se desenha, fino, ante a falange
das nuvens esquecidas de passar.

Os dois apenas, entre céu e terra,
sentimos o espetáculo do mundo,
feito de mar ausente e abstrata serra.

E calcamos em nós, sob o profundo
instinto de existir, outra mais pura
vontade de anular a criatura.

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Olhos que não enxergam…

Acostumei-me, durante muito tempo, a mirar fixamente, quando à janela, o desagradável muro fronteiro à minha casa. Ali está tudo: o vandalismo, a cromática insossa, o medo materializado em cercas cortantes… E eu, obsessivo, seria capaz de representá-lo, à mão, em nível de detalhamento impressionante. Acima, a poluição elétrica; ao fundo, a janela quebrada… Todos os dias reparo, e todos os dias, há anos, encontro a mesmíssima paisagem. E eis que descubro que, alçando a vista, há diferente…

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As letras impedem que a vida seja completamente varrida

As letras cumprem historicamente o papel de impedir que a vida seja completamente varrida da Terra quando a matéria é alcançada pela morte. Obras, registros: por eles algo, e talvez o mais importante, é preservado do ser castigado pelo destino. Penso neste século XXI. Houve, entre muitas outras coisas, um alargamento enorme nas opções de meios para a transmissão de conhecimento e para o registro da existência. A facilidade de acesso e operação destes meios alcançou níveis inimagináveis e, certamente, solucionou problemas. Entretanto, é tarefa que aparenta quase impossível pinçar o que há de valor em meio a toneladas de lixo produzidas e publicadas diariamente. Como filtrar? como identificar e estabelecer um juízo razoável sobre o que vencerá as barreiras do tempo? Parece-me inviável e parece-me, sobretudo, que um número inédito de obras valorosas ficará perdido para sempre.

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