A filosofia da composição, de Edgar Allan Poe

Em A filosofia da composição, Edgar Allan Poe explana, detalhadamente, o seu processo de criação poética, exemplificando através de seu poema mais conhecido, o maravilhoso The Raven.

Sem intenção de resumir ainda mais o que já se encontra extremamente resumido nas poucas páginas do ensaio, vamos a alguns tópicos interessantes.

Poe começa, em tradução livre:

Seleciono “The Raven” por ser o mais conhecido. É meu desejo tornar manifesto que nenhum ponto de sua composição é relacionado a um acidente ou intuição — que o trabalho prosseguiu, passo a passo, até sua conclusão, com a precisão e a consequência rígida de um problema matemático.

Alguma surpresa? É claro que não.

Doce ilusão a dos que pensam que uma grande criação artística seja fruto de qualquer iluminação divina: é fruto de trabalho duro, critério e rigor.

The Raven é, esteticamente, primoroso. A atmosfera e a musicalidade que emana desse pequeno poema é magnífica.

E é interessante verificar a progressão do processo criativo de Poe: primeiro, a ideia; depois, o tom; depois, o formato; e, finalmente, a composição.

Quer dizer: ao compor The Raven, ao pensar em como desenvolveria The Raven, Poe sentou-se já sabendo sobre o que iria compor, quanto iria compor e como iria compor. A unidade alcançada não foi fruto do acaso.

Outro aspecto interessante de A filosofia da composição é a maneira como Poe enfatiza a importância do tom do poema: primário, uma vez definido, influencia todas as demais etapas da construção poética.

A beleza, seja ela de qualquer estirpe, em seu desenvolvimento supremo, invariavelmente excita a alma sensível às lágrimas. A melancolia é, pois, o mais legítimo de todos os tons poéticos.

E The Raven, impregnado de melancolia, faz transbordar o sentimento e o leitor, em poucos versos, vê-se em estado de espírito semelhante.

Isso ocorre, primeiro, em razão dos efeitos pictóricos: a noite tempestuosa, a solidão no quarto e o corvo que irrompe da escuridão.

Depois, pela melancolia proveniente da morte da mulher amada.

E, finalmente, em razão da repetição dos fonemas fechados, graves e longos no final das estrofes — “nevermore”, “nevermore”, “nothing more”, “nothing more”

The Raven é um poema maravilhoso, intraduzível que, após fechado, permanece a ecoar. E se algo conclui-se após conhecer-lhe o processo construtivo é que o alto nível, em poesia, atinge-se somente em decorrência de um tremendo rigor.

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É necessário paciência para se compor um poema

Disse uma vez que forçar o início do movimento dos dedos basta para que a prosa tome vida. Ou, em outras palavras: faz-se prosa à força. Quão diferente é a poesia! Nela, não há que fazer: para que saia com qualidade, é necessário, acima de tudo, paciência. Para que se comece a compô-lo, o poema tem de estar praticamente pronto, isto é: estruturalmente definido e com os versos, no mínimo, bem esboçados. E paciência para o terrível trabalho de encontrar entre centenas de milhares de palavras as que exprimem o pensamento, enquadram-se no ritmo e entregam a sonoridade desejada. E mais paciência: pois quando, após exaustivo trabalho, o poema aparenta finalizado, é hora de pô-lo a descansar. Semanas? Meses? O que está claro é que, sem tremenda paciência, os versos não chegam à almejada forma final.

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Dinheiro compra tudo! É milagreiro!

Dinheiro compra tudo! É milagreiro!
E ai de quem se opuser à lei do mundo!
O sem dinheiro é visto vagabundo,
E acaba se vendendo por dinheiro!

“Dinheiro compra até amor verdadeiro!”,
Ensina o gênio, lúcido e fecundo,
E não hesito nem por um segundo:
Melhor que ter amor, é ter dinheiro!

Dinheiro é pacifista, faz da guerra
A paz suprema, torna defensor
O desafeto, em tinta verde encerra

O paraíso em terra! Austeridade,
Teu mundo é outro! Sem dinheiro é dor,
Angústia, enfado e zero liberdade!

(Este poema está disponível em Versos)

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Perseverança e nada mais…

Toda a minha ainda minúscula produção literária é fruto de uma perseverança que nunca tive para nenhuma outra atividade. Devo, admito, de prestar honras aos abafadores de ruído, invenção infinitamente mais útil que, por exemplo, o telefone: quando sobrepostas unidades de diferentes modelos, produzem paz e resolvem grande parte de meus problemas. Porém, se analiso com mais cautela, encontro-me toda a realidade hostil ao meu ato de escrever. É sábado: ao brasileiro, dia de álcool e socialização. Encontro-me, neste exato momento, com o notebook em cima de uma caixa de sapatos assentada, por sua vez, sobre um criado-mudo na extremidade de meu quarto; sento-me numa cadeira que mais parece um banco: baixa, desconfortável, sem apoio para as costas; e minhas pernas encontram-se imóveis, encaixadas cada uma num espaço de não mais de quinze centímetros no vão que se abre, de um lado, entre a parede e o criado-mudo e, de outro, entre este e minha cama. “Isso é piada. De um lugar assim, jamais sairá qualquer arte…” — mas não acabou: um carro, na rua, reproduz em alto volume qualquer música sertaneja; uma vizinha grita ao telefone — obstinada, quer penetrar minha mente, mas sorrio, pois sei que ela não irá… — Pensei, há alguns meses atrás: “Em minha condição atual, é impossível escrever”. Mas daqui, deste espaço apertado, desconfortável e barulhento saíram quase todas as minhas poucas centenas de páginas, em poesia e prosa. Não há silêncio — nunca!; —não há uma cachoeira a rumorejar agradavelmente próxima a mim; a vista, de minha janela, é de um cinza vandalizado, cercas elétricas e em espiral, fios emaranhados pendendo de postes, janelas quebradas há anos e nunca restauradas, entre outras minúcias desagradáveis. Escrever, concentrar-me a escrever, a produzir arte, é um ato de rebeldia frente a tudo quanto me rodeia; é, essencialmente, uma recusa terminante e total. E tenho, neste pouco tempo de trabalho, pagado o preço em diferentes moedas. Não há recompensa, não há prospecto favorável e o tempo empregado nestas linhas seria infinitamente melhor empregado, aos olhos do mundo, em qualquer outra atividade. Pois bem, mundo estúpido: nunca me senti os esforços tão honrosos quanto agora!

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