Dinheiro compra tudo! É milagreiro!

Dinheiro compra tudo! É milagreiro!
E ai de quem se opuser à lei do mundo!
O sem dinheiro é visto vagabundo,
E acaba se vendendo por dinheiro!

“Dinheiro compra até amor verdadeiro!”,
Ensina o gênio, lúcido e fecundo,
E não hesito nem por um segundo:
Melhor que ter amor, é ter dinheiro!

Dinheiro é pacifista, faz da guerra
A paz suprema, torna defensor
O desafeto, em tinta verde encerra

O paraíso em terra! Austeridade,
Teu mundo é outro! Sem dinheiro é dor,
Angústia, enfado e zero liberdade!

(Este poema está disponível em Versos)

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Perseverança e nada mais…

Toda a minha ainda minúscula produção literária é fruto de uma perseverança que nunca tive para nenhuma outra atividade. Devo, admito, de prestar honras aos abafadores de ruído, invenção infinitamente mais útil que, por exemplo, o telefone: quando sobrepostas unidades de diferentes modelos, produzem paz e resolvem grande parte de meus problemas. Porém, se analiso com mais cautela, encontro-me toda a realidade hostil ao meu ato de escrever. É sábado: ao brasileiro, dia de álcool e socialização. Encontro-me, neste exato momento, com o notebook em cima de uma caixa de sapatos assentada, por sua vez, sobre um criado-mudo na extremidade de meu quarto; sento-me numa cadeira que mais parece um banco: baixa, desconfortável, sem apoio para as costas; e minhas pernas encontram-se imóveis, encaixadas cada uma num espaço de não mais de quinze centímetros no vão que se abre, de um lado, entre a parede e o criado-mudo e, de outro, entre este e minha cama. “Isso é piada. De um lugar assim, jamais sairá qualquer arte…” — mas não acabou: um carro, na rua, reproduz em alto volume qualquer música sertaneja; uma vizinha grita ao telefone — obstinada, quer penetrar minha mente, mas sorrio, pois sei que ela não irá… — Pensei, há alguns meses atrás: “Em minha condição atual, é impossível escrever”. Mas daqui, deste espaço apertado, desconfortável e barulhento saíram quase todas as minhas poucas centenas de páginas, em poesia e prosa. Não há silêncio — nunca!; —não há uma cachoeira a rumorejar agradavelmente próxima a mim; a vista, de minha janela, é de um cinza vandalizado, cercas elétricas e em espiral, fios emaranhados pendendo de postes, janelas quebradas há anos e nunca restauradas, entre outras minúcias desagradáveis. Escrever, concentrar-me a escrever, a produzir arte, é um ato de rebeldia frente a tudo quanto me rodeia; é, essencialmente, uma recusa terminante e total. E tenho, neste pouco tempo de trabalho, pagado o preço em diferentes moedas. Não há recompensa, não há prospecto favorável e o tempo empregado nestas linhas seria infinitamente melhor empregado, aos olhos do mundo, em qualquer outra atividade. Pois bem, mundo estúpido: nunca me senti os esforços tão honrosos quanto agora!

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O princípio poético, de Edgar Allan Poe

Em contraposição radical a um texto não ficcional em prosa, cujo objeto é habitualmente a racionalidade, encontra-se a poesia, cuja finalidade frequentemente é premiada com a incompreensão.

O poeta nunca se senta a preocupar com a exposição lógica de uma ideia ou sentimento: o que ele busca é a potência de expressão, a beleza. E melhor o poema cujo sentido é sugerido, — e não demonstrado lucidamente, — abrindo espaço para interpretações, em oposição total ao caráter de um texto científico.

Pois bem. Edgar Allan Poe, neste ensaio intitulado O princípio poético, discorre sobre sua concepção da poesia. Comentemos alguns trechos, em tradução livre:

Sustento que um poema longo não existe. Sustento que a frase “um poema longo”, é simplesmente uma contradição terminológica grosseira.

Polêmico. Mas se compreendemos um longo poema como a concatenação de unidades poéticas menores, faz sentido o raciocínio de Poe.

Uma construção poética carece ser carregada de um mesmo tom, de um objetivo bem definido, do contrário será menos potente. O poema, nesta lógica, resume-se a um movimento único de ascensão.

Poe continua, dizendo sobre onde julga estar o valor de um poema:

O valor do poema está na medida em que esta excitação eleva. Mas todas as excitações são, devido a uma necessidade psíquica, transitórias. Esse grau de excitação que daria direito a um poema ser digno do nome não pode ser sustentado ao longo de uma composição de grande comprimento.

Justo. Qualquer arroubo é, por definição, transitório. É impossível sustentar por muito tempo uma excitação sem que ela perca a própria força.

Mas que dizer dos grandes poemas épicos?

Poe é categórico, referindo-se à Ilíada:

Em relação à Ilíada, temos, senão provas, pelo menos fortes razões para acreditar que foi concebida como uma série de líricas; mas, admitindo a intenção épica, só posso dizer que a obra é baseada em um sentido imperfeito da Arte.

Aqui, uma nota.

O ápice de vários dos grandes poemas é subordinado à construção de uma atmosfera preparatória — às vezes, pode-se dizer, desnecessária, mas muitas vezes fundamental, e várias das melhores construções poéticas têm a própria unidade como caráter qualitativo e tonificador.

Desperdiçar versos a construir como se faz em prosa certamente prejudicará a qualidade de um poema. Mas como negar, por exemplo, que o Paraíso, mesmo construído em cantos menores, como sugerido por Poe, não tem o efeito amplificado por estar onde está na Divina Comédia?

Difícil…

Novo trecho interessante:

Não se deduz, porém, que os incitamentos da Paixão, ou os preceitos do Dever, ou mesmo as lições da Verdade não podem ser introduzidas em um poema, e com vantagem; pois podem servir incidentalmente, de diversas maneiras, aos propósitos gerais da obra: mas o verdadeiro artista sempre se esforçará para subordiná-los devidamente àquela Beleza que é a atmosfera e a verdadeira essência do poema.

A moral, a verdade e o juízo são, para o poeta, correntes. O que o poeta sente ou pensa necessariamente tem de estar em segundo plano no ato da construção poética.

Quer dizer: ao compor um poema, o poeta tem de voltar totalmente o espírito à construção de uma beleza suprema, harmônica e plena, mesmo que isso exija um despego de sua própria essência: um poema, se bem-sucedido, ultrapassa os conceitos do artista que o gerou.

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Os diplomas conferem qualidade indispensável para a literatura?

É provável que chegue o dia em que será necessário um diploma para publicar formalmente um poema. E assim a questão ficará ainda mais exposta: os diplomas conferem qualidade indispensável para a literatura? ou, antes: os diplomas conferem qualidade indispensável para qualquer coisa? Naturalmente, virá à tona a resposta óbvia: não, casas sempre foram construídas por quem nunca teve diploma. E imagino sonetos clandestinos infinitamente superiores aos portantes do selo de qualidade acadêmico, evidenciando que a academia tornou-se muito mais uma instituição burocrática, um negócio gerador de emprego e receita, um pré-requisito obrigatório para exercer qualquer função do que propriamente uma entidade que ensina o que é relevante para exercer uma atividade profissional. Em aproveitamento do tempo, é radicalmente mais proveitoso o estudo independente ante o cumprimento de burocracias acadêmicas e das muitas horas empregadas em nada quando se estuda numa universidade — basta avaliar, por exemplo, o tempo de locomoção à instituição de ensino e seu peso na equação, para não dizer da qualidade do que é ensinado ou das disciplinas absolutamente inúteis. Laboratórios, estruturas físicas dispendiosas, estas provavelmente continuarão a ser monopolizadas pelas universidades. Para as atividades do intelecto, porém, a conclusão não pode ser diferente: se um dia vierem a ser premiadas pelo mérito, o mundo será dos autodidatas, e a gigantesca e onerosa estrutura acadêmica estará, fatalmente, condenada ao colapso.

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