Carência insuperável

Como ser livre se uma mínima desatenção expõe uma carência vivíssima que parece inerente à própria condição humana? Quer dizer: sem um monitoramento constante, uma atuação racional ininterrupta e o cérebro a barrar as manifestações vergonhosas de dependência e trilhar conscientemente o próprio caminho, o ser humano adota uma postura de insuficiência total. E terão de fantasiar para achar valor onde não há independência…

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Um forno gigantesco

O inverno é uma criação literária… Trinta e sete graus Celsius. Dormir é uma impossibilidade, assim como pensar em serenidade, quando a matéria derrama desconforto. Dizem vários dos benefícios de baixas temperatura para as artes do espírito. E poderia ser adicionado: altas temperaturas repelem o pensamento; sendo em essência grande agitação, representam precisamente o contrário da calmaria que incentiva a mente a refletir. Acordar em fadiga, desânimo em razão da péssima noite de sono. Interromper o raciocínio a pensar no incômodo físico. Pior: perceber panos, sapatos, tudo a contribuir para uma sensação intolerável. O ambiente naturalmente abafado, a testa a escorrer. E nada vence, nada interrompe a sensação de habitar um forno gigantesco e indesligável…

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Querem dizer que há poesia sem ritmo…

Um músico, obrigatoriamente, precisa entender de ritmo para compor uma boa música. Para isso, é necessário que ele saiba, ainda que instintivamente, o que é beat e tempo. Só assim será capaz de diferenciar as inúmeras frequências possíveis e os efeitos que poderá alcançar com cada uma delas na sua composição. Querem dizer que há poesia sem ritmo. Há, sem dúvida, versos de péssima qualidade… E ainda que o poeta queira prescindir do elemento mais importante para diferenciar uma composição poética da prosa ou da língua falada, acredito seja impossível negar quanto o conhecimento do ritmo agregaria ao seu arsenal de efeitos expressivos. Pois bem. Para entender de ritmo, na poesia, é forçoso que o poeta compreenda a métrica e, consequentemente, a contagem de sílabas poéticas. Não há outro meio: o poeta que não entende a contagem de sílabas nunca será capaz de entender o que é quantidade e qual a relação que as sílabas tônicas mantêm com as não acentuadas em intervalos regulares. Assim, nunca saberá o que é ritmo e acabará compondo versos que não agradam ao ouvido. Pergunto: será boa a poesia que o ouvido repele?

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Os elementos melódicos e rítmicos tradicionais da poesia

Os elementos melódicos e rítmicos tradicionais da poesia, quando usados com habilidade, concedem uma beleza aos versos que dificilmente os permitem igualados por pares livres. Em algumas dezenas de anos, será possível compará-los com o distanciamento necessário, e não há dúvida que o encantamento produzido pela dupla ritmo e melodia será, em média, muito superior aos novos efeitos alcançados pela poesia moderna. Será possível, também, julgar com sensatez o esmero da técnica, e então ficará evidente que transplantar a música às letras é arte dificílima cuja essência está diretamente ligada à poesia tradicional.

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