Estilo é abundância em recursos expressivos

O objetivo de todo grande artista deveria ser erigir, a longo prazo, um monumento complexo e multifacetado. Por isso artistas menores são os que, irritantemente, só fazem repetir os mesmos processos. Fazê-lo, a buscar ênfase numa mesma ideia, numa mesma impressão ou na evocação de um mesmo sentimento, não é, como alguns supõem, demonstração de estilo, mas evidência de horizonte criativo limitado. Estilo é expressividade, potência, concisão, ritmo… Estilo é abundância em recursos expressivos, exatamente o contrário da capacidade do artista em repetir à exaustão os mesmíssimos processos.

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O grande problema humano é o haver ou não propósito

O grande problema humano é o problema de sentido, o haver ou não propósito. E não são a vida e obra humanas senão a resposta. Essa simples questão ultrapassa todas as outras, atravessa a realidade nos mais íntimos detalhes. Já quando tudo parece bem, já quando a fortuna decide exibir-lhe o chicote, o problema resta evidente, sempre à espera de resposta: para quê? Pensando nisso temos, pois, a ferramenta necessária para medir-nos a dimensão, avaliar-nos a existência e decidir, sozinhos, o que devemos ou não fazer.

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Quem há que não se espante?

Vamos desta abertura magnífica de uma das epístolas de Camões:

Quem póde ser no mundo tão quieto,
Ou quem terá tão livre o pensamento,
Quem tão exprimentado, ou tão discreto,
Tão fóra, emfim, de humano entendimento,
Que ou com público effeito, ou com secreto
Lhe não revolva e espante o sentimento,
Deixando-lhe o juizo quasi incerto,
Ver e notar do mundo o desconcêrto?

Quem ha que veja aquelle que vivia
De latrocínios, mortes e adulterios,
Que ao juizo das gentes merecia
Perpétua pena, immensos vituperios,
Se a Fortuna em contrário o leva e guia,
Mostrando, emfim, que tudo são mysterios,
Em alteza d’estados triumphante,
Que por livre que seja não s’espante?

Quem ha que veja aquelle, que tão clara
Teve a vida, qu’em tudo por perfeito
O proprio Momo ás gentes o julgára,
Inda quando lhe visse aberto o peito,
Se a má Fortuna, ao bom somente avara,
O reprime, e lhe nega seu direito,
Que lhe não fique o peito congelado,
Por mais e mais que seja exprimentado?

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O alter ego na literatura

Algumas personagens literárias tiveram a felicidade de serem classificadas pela crítica como alter ego do autor. Outras já nasceram agraciadas com o selo proveniente do próprio mestre que lhes pariu. Alter ego… epíteto mágico capaz de dotar qualquer personagem de uma profundidade imediata, incutindo-lhe os passos com o peso da vida real. Engraçado! Não consigo pensar em literatura que não contenha, em grande medida, o peso da realidade do autor. A mim é simplesmente impossível imaginar um escritor a escrever abrindo mão das próprias impressões sobre a vida, das suas experiências, dos próprios julgamentos sobre si e sobre os outros, dos detalhes da existência que só ele nota, das observações que arquiteta sobre o meio em que vive. Se está a pintar um ambiente, pois tomará como base um ambiente que já presenciou ou imagina; se está a descrever um caráter, pois irá servir-se dos exemplos que a vida lhe concedeu. Sensações: o simples fato de imaginá-las em profundidade é, também, senti-las, e não é possível julgar que o autor esteja imune aos sentimentos que ele mesmo evoca. Como saberia descrevê-los, não fosse capaz de senti-los? Assim, o alter ego, termo de múltiplos sentidos, se pode, em psicologia, expor um interessante e complexo desvio de personalidade, em literatura normalmente expõe uma personalidade obcecada consigo mesmo: o autor.

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