Anoitecer, de Raimundo Correia

Outro belo soneto de Raimundo Correia:

Esbrazea o Occidente na agonia
O sol… Aves em bandos destacados,
Por ceus de ouro e de purpura raiados,
Fogem… Fecha-se a palpebra do dia.

Delineam-se, além, da serrania
Os vertices de chamma aureolados,
E em tudo, em torno, esbatem derramados
Uns tons suaves de melancholia…

Um mundo de vapores no ar fluctua…
Como uma informe nodoa, avulta e cresce
A sombra á proporção que a luz recúa…

A natureza apathica esmacce…
Pouco a pouco, entre as arvores, a lua
Surge tremula, tremula… Anoitece.

____________

Leia mais:

Ser pobre ou ser escravo?

Questão perversa e obrigatória a todos os que, nascidos em berço modesto, encontram-lhes os interesses inclinados a algo impopular. Pergunto: será possível uma inteligência interessar-se por algo popular? Talvez, conquanto incomum. Pois que a questão continua vibrante, imponente: ser pobre ou ser escravo? Não consigo interpretá-la senão como um confronto entre liberdade e desejo: respondê-la é decidir entre independência ou submissão. Entretanto, boas notícias: abrir as portas à pobreza não quer dizer, necessariamente, que ela se irá alojar.

____________

Leia mais:

Desejo: câncer da psique humana

É possível encontrar justificativas racionais para negar as soluções propostas pelos estoicos, pelos budistas, por Schopenhauer e tantos outros. Mas há uma verdade universal, presente também na filosofia cristã, referente ao desejo: é ele a praga, o câncer da psique humana, a fonte interminável de frustrações. E se, após cuidadosa análise psicológica, decidimos arrancá-lo pela raiz, desarraigando cada uma de nossas esperanças a enxadadas, livramo-nos de uma carga imensa, maligna e prejudicial. O problema é que o ser humano vive de sonhos, suporta a realidade na esperança de um futuro melhor. Exterminá-la, pois, é fazer com que a vida perca o brilho, é dar linha à indiferença, é negar a própria natureza, é automutilação. Pois bem: parece ser esse o caminho da paz.

____________

Leia mais:

As “obras-primas da ficção de gênero”

Perguntam-me o que acho das “obras-primas da ficção de gênero”. Estranho a pergunta. Jamais considerei obras-primas sobre semelhante perspectiva. Quero dizer: uma obra-prima o é — ou não — independente de seu gênero literário. Mas a questão abre as portas para uma reflexão interessante. O que se convencionou chamar de “ficção de gênero” parece não ter angariado respeito da crítica. Mas a crítica costuma ser injusta com tudo o que constitui novidade. A literatura, porém, está sempre em movimento — e pior para os críticos que o não acompanham. Por outro lado, a popularização das “ficções de gênero” deve muito ao fato de que essas obras, em geral, são escritas pensando no leitor. Escrever pensando no leitor é um método extremamente eficaz para produzir uma obra de baixa qualidade. E como o lixo sempre fez sucesso entre o público! Por isso, quanto à “ficção de gênero”, é necessário cautela. Em hipótese alguma um gênero literário impõe limites para a qualidade de uma obra artística, e várias obras de “ficção de gênero” vencerão a barreira do tempo e se tornarão clássicas — algumas, aliás, já o fizeram… Porém, os artistas desse gênero literário caminharão por muito tempo sobre uma linha estreita: amados pelo público, desprezados pela crítica, tendo de lidar com a tirania do sucesso que pode, de fato, destruir-lhes a qualidade artística das obras. É ter coragem para colocar a arte como rainha e ser indiferente aos anseios do público…

____________

Leia mais: