Trem de ferro, de Manuel Bandeira

Uma aula de ritmo e expressividade:

Café com pão
Café com pão
Café com pão
Virge Maria o que foi isto maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa fumaça
corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo na fornalha
que preciso
Muito força
Muita força
Muita força

Aô…
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De inagaseira
Debruçada
No riacho
Que vontade de cantar

Aô…
Quando me prendera
No canaviá
Cada pé de cana
Era um ofício
Aô…
Menina bonita
Do vestido verde
Me da sua boca
Pra mata minha sede
Aô…
Vou mimbara vou mimbara
Não gosto daqui
Nasci no Sertão
Sou de Ouricirri

Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente.

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Um animal inadaptado [2]

Forçado a esperar numa fila, sem nada para ler, aproveito o momento em divertida atividade: arriscar uma lista das coisas que mais detesto. Vamos lá: (1) dissimulação, (2) burocracia, (3) demagogismo, (4) grupos de pessoas, (5) marketing, (6) expansividade, (7) ruído de vozes humanas, (8) conversação fútil… Listo e tenho uma ideia. O sorriso é imediato. Novamente, percebo-me um animal inadaptado. Considero, talvez, que minha existência seja um enigma evolucionista. Possuo incontáveis manifestações contrárias ao meio, de forma que arrisco minha própria natureza ser o retrato da inadaptação. Em mim, o intro e o extra relacionam-se em hostilidade, repelem-se de forma total sem que haja qualquer conciliação possível. Nego, recuso-me deliberadamente a integrar o meio, ainda que falhe e seja perseguido de forma insuportável. Lembro-me das palavras de Thoreau: “Wherever a man goes, men will pursue and paw him with their dirty institutions, and, if they can, constrain him to belong to their desperate odd-fellow society”. Oh, vida irritante! convenções insuportáveis! falatório estúpido!… Adeus, nota, até você causa-me fastio.

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Um animal inadaptado

Uma vez a cada dois anos, sou forçado pelo Estado brasileiro a sair de minha casa e dirigir-me a uma seção eleitoral. O Estado, autoritário, obriga-me sob a ameaça de complicar-me a vida, caso não cumpra com a obrigação que contraí sem nunca ter assinado um termo de consentimento. Por isso, religiosamente, uma vez a cada dois anos estou, a pé, dirigindo-me a um lugar que não quero, para enfrentar uma longa fila que me desgosta e digitar números que não me agradam em uma urna eletrônica. Assim procedo desde a maioridade. Pois bem. Dado o pretexto, a piada: notei, neste 2020, jamais ter votado em um candidato que venceu para nenhum cargo, seja municipal, estadual ou federal: sempre escolho o que perde. Penso e automaticamente o sorriso brota-me na face. Alegro-me toda vez que noto uma evidência de que não sou como as outras pessoas. Tenho, pois, nova confirmação do que já sei: sou um animal inadaptado, não tenho nenhuma semelhança de ideias, temperamento ou qualquer outra coisa com as pessoas que me rodeiam. E se o futuro do Brasil depender de que eu acorde num domingo, enfrente uma fila e eu tenha direito de escolha (o que, naturalmente, não tenho, a despeito das aparências), o país está lascado…

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É incrível como a necessidade de dinheiro piora a existência

É incrível como a necessidade de dinheiro piora a existência. Forçada, a maioria tem-na como natural, mas a verdade é que é escrava sem sabê-lo. Naturalmente, alguns não partilham da mesma sorte. E que peso não carregam nas costas! Saber-se necessitado do dinheiro induz a uma tortura psicológica interminável. “Por quanto tempo? Quando me libertarei?” E pior quando a carência abocanha-lhe o grosso da rotina, que é o caso mais comum. Muitos não percebem, anestesiados. Mas viver a cumprir um contrato, a ter obrigações para honrar, a fazer religiosamente o que jamais faria se não precisasse… isso, por acaso, é vida?

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