O alter ego na literatura

Algumas personagens literárias tiveram a felicidade de serem classificadas pela crítica como alter ego do autor. Outras já nasceram agraciadas com o selo proveniente do próprio mestre que lhes pariu. Alter ego… epíteto mágico capaz de dotar qualquer personagem de uma profundidade imediata, incutindo-lhe os passos com o peso da vida real. Engraçado! Não consigo pensar em literatura que não contenha, em grande medida, o peso da realidade do autor. A mim é simplesmente impossível imaginar um escritor a escrever abrindo mão das próprias impressões sobre a vida, das suas experiências, dos próprios julgamentos sobre si e sobre os outros, dos detalhes da existência que só ele nota, das observações que arquiteta sobre o meio em que vive. Se está a pintar um ambiente, pois tomará como base um ambiente que já presenciou ou imagina; se está a descrever um caráter, pois irá servir-se dos exemplos que a vida lhe concedeu. Sensações: o simples fato de imaginá-las em profundidade é, também, senti-las, e não é possível julgar que o autor esteja imune aos sentimentos que ele mesmo evoca. Como saberia descrevê-los, não fosse capaz de senti-los? Assim, o alter ego, termo de múltiplos sentidos, se pode, em psicologia, expor um interessante e complexo desvio de personalidade, em literatura normalmente expõe uma personalidade obcecada consigo mesmo: o autor.

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O silêncio de Machado de Assis

Alvo de numerosas críticas sendo algumas, em verdade, ataques invejosos, Machado de Assis, em toda a sua vida, silenciou-se a respeito. Mereciam resposta? ou antes: cabe ao artista responder as críticas que lhe são direcionadas? Sem dizer uma única palavra, Machado nos ensinou como o grande artista deve portar-se. Atacado, o mestre conservou-lhe a independência, continuou a trabalhar. E se as críticas expuseram qualquer problema estético ou expressivo digno de nota, pois que a resposta está claríssima em literatura. E para a grande massa dos comentários, bom, esses receberam o que lhes cabia: o desprezo.

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Inspiração: estimulação consciente do cérebro

Li não lembro onde, há alguns bons anos, um psicólogo a dizer que Bertrand Russell utilizava um processo interessante quando se envolvia em problemas complexos. Seria mais ou menos o seguinte: Russell pensava, com máxima concentração e força de espírito, no determinado problema; traçava-lhe as possíveis soluções, desmembrava-lhe em questões menores, formulava variadas hipóteses e buscava encontrar, em todas, as possíveis falhas. Ocupava-se-lhe inteiramente a cabeça com a questão por horas, às vezes dias, e então, quando se sentia esgotado, não publicava, sequer executava a redação final de suas conclusões: abandonava o problema e deixava-o descansar, ocupando-lhe a mente com qualquer outra coisa. Então, passados alguns dias, semanas ou meses, subitamente a mente apontava-lhe a solução, que vinha como uma violenta avalanche e, assim, Russell sentava-se a escrever. Que seria isso, inspiração? Se for essa a palavra, então será forçoso adicionar que nela não há nada de divino, fantástico ou sobre-humano. O que há é método, estimulação consciente do cérebro. E se o cérebro, pois, às vezes não entrega resposta imediata, não quer dizer que não funcione, ou que não esteja a trabalhar. Da mesma forma que, quando decide ferver em momento inoportuno, não está a fazer nenhum tipo de mágica ou exibir poderes sobrenaturais…

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O insuportável “eu”

Espero, senão nestas notas, jamais grafar essa palavra insuportável — “eu” — em primeira pessoa. Julgo engraçado como, ainda aqui e exatamente agora, conjugo os verbos na primeira de forma repetitiva, quando ninguém menos que eu mesmo nutro repugnância categórica por essa obsessão moderna com o próprio ser e julgo-me a singularidade mais insignificante de todo o universo. Entretanto, cá estão as justificativas e a confissão: (1) o “eu”, nestas notas, nunca será senão um apelo expressivo rasteiro, quando o objeto destas linhas é inteiramente outro — confessando, espero expulsar a palavra intrusa; — (2) se um dia, e imploro que não aconteça, mas se um dia o “eu” tomar o caminho inverso e passar a ocupar o centro destas notas, então me terei esgotado enquanto artista e enquanto explorador de questões que extrapolam minha realidade mesquinha. É esperar para ver…

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