Crime e castigo, de Fiódor Dostoiévski

Na primeira vez em que li Crime e castigo, levei dois dias para dar cabo às 590 páginas da minha edição. Foi inédito para mim ler um livro com tamanha voracidade. Lembro-me que, num sábado chuvoso, iniciei a leitura por volta das 16h; quando o sol raiou, às 6h do domingo, ainda estava eu com o livro nas mãos. Censurado pelo sol, optei por dormir algumas horas. Ao acordar, enveredei na sessão de leitura que daria remate ao livro. Mas por que meu encanto? Que é que tem esse livro de tão especial? Para começo de conversa, foi Crime e castigo meu primeiro contato com Dostoiévski: nunca havia lido nenhum autor que se aproximasse de sua acuidade psicológica. Lendo Crime e castigo senti-me, fisicamente, na Rússia; senti-me, aterrorizado, um assassino e senti-me, em maldição, assolado pela culpa. Pela primeira vez articulei e validei em mente pensamentos niilistas, que brilharam numa lógica incontestável e evidenciaram a mim a relatividade da moral. Páginas depois, tudo isso cai por terra, e Raskólnikov logra conduzir-me junto de si ao abismo. Febril, delirante, faz-me sentir na pele a tensão da culpa, o medo da perseguição. E, em meio a trevas, desesperado e arrependido, ensina-me o que é redenção; junto de Sônia, ensina-me o que é a carne e o que é a alma; e condenado, ensina-me o verdadeiro valor das coisas terrenas. Fechei o livro resoluto: aconteça o que acontecer, serei escritor.

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Chineses e a vaidade

Sou, há quase uma década, vizinho de porta de uma família chinesa. Acabei, por esse motivo, tendo a oportunidade de conhecer e conversar com mais de uma dezena de chineses. E de um tempo para cá, sem nenhuma razão aparente, passei a articular: parece-me — posso muito bem estar enganado… — que o chinês, via de regra, é menos vaidoso que o ocidental. Aprofundando-me a investigação, descobri que na China não há, por exemplo, debate político. Vejam só! Sempre pensei que um mundo sem debates políticos seria menos arisco e que, sumariamente, todo debate de ideias é, antes, uma guerra de vaidades. Pois que o chinês comum não sente a menor necessidade de ver debatedores disputando inteligência, provando ao público a sensatez das próprias ideias! E o chinês comum não liga o rádio para ouvir o comentarista político a dizer: “Tenho a melhor análise!”, ou para ouvir o comentarista econômico a prever: “Tal medida falhará!”. O chinês comum, parece-me, faz cuidar da própria vida; e a China, parece-me, não caminha quase a estourar em debates, polêmicas, vendo verter o ódio a qualquer lugar que se olhe, com seus cidadãos em rixa, agressivos uns com os outros, quase a se matar por opiniões pessoais estúpidas a respeito de assuntos que, não bastasse o desconhecimento, não lhes guardam a menor possibilidade de ação efetiva. Por um momento, julgo o chinês comum superior ao maior de nossos eruditos.

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The Sopranos, de David Chase

Perdi, já há algum tempo, o hábito das séries. Mas sei que se por algum motivo bater-me a nostalgia das horas despendidas frente à tela, mesmo submerso em um mar de opções recentes e aclamadas, optarei por rever — outra vez… — The Sopranos, de David Chase. E por quê? Porque essa série, dentre todas, exibe as construções psicológicas mais complexas e instigantes que já tive a oportunidade de assistir. Personagens inteligentes, ambíguos, agitados por pujantes conflitos internos e representados em atuações fantásticas. Nada mais cabe a mim esperar de uma série…

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Ideias venenosas

Tenho algumas ideias bastante venenosas, por exemplo, esta: só atingirei a plenitude no dia em que não souber dizer o nome do presidente do meu país. Confesso, tenho-me esforçado: já não leio notícias quaisquer, não ligo uma televisão há anos, não sei dizer quem é o atual vice-campeão brasileiro e outras façanhas. Mas sei que a plenitude, a paz de espírito e a sabedoria só virão no dia em que me perguntarem: Em quem votaste para senador? Que pensas do novo projeto de lei? Que achaste da nova composição ministerial? E para todas estas eu não responder senão com um sorriso sarcástico na face.

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