O país que cospe nas próprias origens

O sentimento estúpido que inspirou as maiores homenagens já feitas a cidadãos brasileiros parece renovar-se de contínuo e ter, pela insistência, cristalizado na alma da nação o juízo infame de que o Brasil começou com o grito do Ipiranga, senão com a proclamação da república. Em redor de todo o território, em todos os “monumentos culturais” de norte a sul, vemos exposta a mente de um país eternamente ingrato e mesquinho, indigno e inculto, quando cospe nas próprias origens, exatamente em quem lhe entregou a civilidade, germinando-lhe o sentimento de preservação e amor pela terra a custo de muitas vidas e permitindo que, neste solo, se desenvolvesse uma civilização de base cultural europeia. Seja pela preservação do território, seja pelo empenho em fazer robustecer nos habitantes a percepção do Brasil enquanto nação, seja pelo reconhecimento honroso de figuras as mais diversas como Filipe Camarão, Henrique Dias e tantos outros, seja pelo sangue derramado ou seja pelo assentamento das fundações de um estado moderno, foram os inglórios portugueses os maiores benfeitores do Brasil, queiram os filhos ingratos ou não.

____________

Leia mais:

O cume é vizinho natural do abismo

Há um notável problema proveniente da ascendência e resume-se basicamente nisto: o cume é vizinho natural do abismo. Poderia formular de outras maneiras, dizendo que quando se chega ao topo, o movimento só é possível para baixo, ou que a distância do pico ao precipício é qualquer deslize… Penso, agora, em Julien Sorel, mas os exemplos são inúmeros. Por que, exatamente, o destaque nos torna tão vulneráveis? Inveja? Pelo desejo que, por sua natureza, nos expõe? Não posso deixar de notar o potencial destrutivo da ascensão, as provações que esta normalmente exige e seu prêmio enganoso, senão injusto. Racionalmente, a conclusão se impõe: talvez o mais sábio seja deixar imediatamente de escalar.

____________

Leia mais:

O grande estilo exclui também o que é agradável

Palavras de Nietzsche:

A grandeza de um artista não se mede segundo os “belos sentimentos” que ele desperta: só as mocinhas acreditam nisso. Mas segundo a intensidade que emprega para atingir o grande estilo. (…) Não desejaria desapreciar as virtudes amáveis, mas não se concilia com elas a grandeza de alma. Nas artes, o grande estilo exclui também o que é agradável.

____________

Leia mais:

Injustiças sem fim

No estudo da história, mais impressionante que as conquistas, as guerras, o desenvolvimento das civilizações  e todo o resto, é a sucessão quase que inacreditável de injustiças cometidas contra os grandes homens. Minoria são os que, honrados, valorosos, angariaram para si uma memória digna da própria obra. Pior que as perseguições que alguns tanto sofreram em vida, pior que o desprezo, a conspurcação pública, a pobreza, a vida que se lhes apresentou como uma sequência de frustrações, desgostos, um após o outro, amontoando-se e avultando como fossem provações, pior que tudo isso é, após a morte, caírem em olvido, senão difamados, quando já não podem responder ou, ainda: provar como a raça humana lhes é indigna.

____________

Leia mais: