História de Dom Pedro II, de Heitor Lyra

Este é, sem dúvida, o melhor livro de história que já li. Nesta obra, dividida em três volumes que somam pouco mais de 700 páginas, Heitor Lyra traça, numa escrita leve, precisa e apaixonante, o período mais glorioso de toda a história brasileira. Quem mo indicou? A resposta serve para todos aqueles que me importunam perguntando: “Como é possível admirar o Olavo de Carvalho?”. Como muitas outros livros, este só tive acesso em razão da recomendação do professor, que o classificou como “maravilhoso”. Dependesse das editoras, jamais o conheceria, posto só esteja disponível em sebos e em raríssimas unidades. Lembro-me de que, para reunir os três volumes, tive de pescar no Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo. Pois valeu cada centavo. E reflito: o que será que as escolas dão para os jovens estudar o século XIX? — não me lembro o que eu mesmo estudei… — Heitor Lyra teve acesso à melhor documentação possível sobre o período e, especialmente, sobre o maior símbolo do Brasil Imperial. O livro, segundo o autor, “foi escrito na Europa”, onde ele teve acesso à vastíssima documentação dos correspondentes estrangeiros do imperador e, ademais, teve aberto para si o “inestimável arquivo da família imperial brasileira”, disposto à época no Castelo D’Eu, aos cuidados de Dom Pedro de Orléans e Bragança, neto de Dom Pedro II. Na ocasião, Heitor Lyra foi o primeiro e único historiador a acessar este arquivo, que hoje está reduzido a cinzas após o incêndio no Museu Nacional. Penso, penso e hesito em colocar-me em palavras a frustração… O que incomoda é não ver novas edições dessa obra e de quase todos os bons livros de história que tive acesso; é contrastar o que encontro nos bons livros com a vaga e estúpida visão que inconscientemente nutria do período; é descobrir, de repente, que desconhecia quase todas as grandes figuras que o meu país produziu. Então reflito: por que se não encontra Heitor Lyra, ou Varnhagen, ou José Maria Bello numa Amazon? Parece-me que, descaradamente, houve e há um esforço a contar uma história alternativa do Brasil.

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É ela! É ela! É ela! É ela!, de Álvares de Azevedo

Fico a pensar que daria de nosso Álvares de Azevedo que, infortunadamente, deixou o mundo aos vinte anos de idade.

É ela! é ela! — murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou — é ela!
Eu a vi… minha fada aérea e pura,
A minha lavadeira na janela!

Dessas águas furtadas onde eu moro
Eu a vejo estendendo no telhado
Os vestidos de chita, as saias brancas…
Eu a vejo e suspiro enamorado!

Esta noite eu ousei mais atrevido
Nas telhas que estalavam nos meus passos
Ir espiar seu venturoso sono,
Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!

Como dormia! que profundo sono!…
Tinha na mão o ferro do engomado…
Como roncava maviosa e pura!
Quase caí na rua desmaiado!

Afastei a janela, entrei medroso:
Palpitava-lhe o seio adormecido…
Fui beijá-la… roubei do seio dela
Um bilhete que estava ali metido…

Oh! Decerto… (pensei) é doce página
Onde a alma derramou gentis amores;
São versos dela… que amanhã decerto
Ela me enviará cheios de flores…

Tremi de febre! Venturosa folha!
Quem pousasse contigo neste seio!
Como Otelo beijando a sua esposa,
Eu beijei-a a tremer de devaneio…

É ela! é ela! — repeti tremendo,
Mas cantou nesse instante uma coruja…
Abri cioso a página secreta…
Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!

Mas se Werther morreu por ver Carlota
Dando pão com manteiga às criancinhas,
Se achou-a assim mais bela… eu mais te adoro
Sonhando-te a lavar as camisinhas!

É ela! é ela! meu amor, minh’alma,
A Laura, a Beatriz que o céu revela…
É ela! é ela! — murmurei tremendo,
E o eco ao longe suspirou — é ela!

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O veneno de Schopenhauer

Em quase tudo o que faço, está Schopenhauer a admoestar-me: “Seja indiferente! Negue o desejo! Negue a vida!”. E, praticamente, a influência de Schopenhauer em minha vida pode resumir-se no seguinte: sou um monstro de indiferença para com a maioria das coisas, dentre elas as que eu não gostaria de ser; já com as coisas que eu mais desejaria ser indiferente, com essas não sou, não consigo, e sinto-me, por fim, absolutamente derrotado por minha própria natureza.

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Escrever para o cinema

Creio ter sido Faulkner que disse uma vez o quanto escrever para o cinema prejudica a criatividade de um autor. É claro, Faulkner é mais autoridade para falar sobre o assunto, mas não creio que o cinema apenas mine a criatividade de um escritor. Escrever para o cinema, em meu caso, foi de profunda importância. Para os que nunca leram um roteiro — e que não perdem muita coisa: — o texto cinematográfico, quando bem escrito, é de extrema objetividade: a cena descreve exata e somente o necessário para ser inteligível. Quase não há adjetivos, uma personagem jamais se apresenta com “olhar vagueando por devaneios cálidos”, e as janelas em hipótese alguma são “tristes e sombrias, varadas por uma fraca luz que desfalece meio à penumbra”. É verdade, é verdade: há menos arte num roteiro de cinema do que em Tolstói. Porém, escrever para o cinema obriga o escritor a perguntar-se: qual o objetivo desta cena? Qual a função deste objeto, personagem ou inflexão? É mesmo necessário este trecho? Qual, antes de tudo, o objetivo, a mensagem deste filme? A cena que estou escrevendo contribui, de alguma maneira, para o enredo do filme? possui alguma ligação direta com a mensagem principal? O filme pode ser resumido, sumariamente, nos três atos da tragédia grega? O clímax convence? está bem amparado? Há justificativa dramática e psicológica para as ações das personagens? Poderia continuar citando, mas basta. O que penso, pois, é que esse tipo de pergunta parece-me fundamental para qualquer texto artístico e, humildemente, creio ser necessário fazê-las de forma metódica. Faulkner talvez não diria o mesmo mas, particularmente, dou graças ao cinema por tê-las entranhadas em minhas veias.

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