Nenhuma filosofia e nenhuma religião…

Nenhuma filosofia e nenhuma religião que se queira verdadeiramente grande pode prescindir da prática, isto é, pode prescindir da realização através de um ser humano real. Somente o exemplo convence, e somente a positivação em prática justifica a teoria que, não importa quão superior pareça, jamais o será se não se provar superior também pelos frutos. Assim que, tão conveniente quanto ouvir o que diz é atentar-se para aquilo que efetivamente faz.

Certa vez, há uns bons anos…

Certa vez, há uns bons anos, anunciaram-me ter ouvido uma música cujo peso era tão tremendo, tão sombrio e tão dramático que parecia encerrar algo de infernal. Era Prokofiev. Reconheci a música de imediato e sorri. Em seguida, para evidenciar que aquilo nada tinha de exageradamente tremendo, sombrio ou dramático, reproduzi uma faixa do Réquiem. Na primeira nota, o assombro e a certeza, escancarada por um contraste esmagador. Idêntica sensação repetiu-se na noite de ontem quando, após quatro anos, retorno ao meu romancista preferido, ao autor ao qual mais horas dediquei e do qual não posso separar-me. No mesmo dia, havia encerrado uma obra de Thomas Bernhard, uma obra em que a mesma técnica é exaustivamente empregada a fim de expressar tensão psicológica, aflição, inquietude, desespero, e sabe-se lá mais o quê. Então, Dostoievski. Não é preciso dizer mais nada.

A superioridade de Tolstói e Dostoiévski

A superioridade de Tolstói e Dostoiévski sobre os demais romancistas não é a técnica e nada tem que ver com a técnica, o que demonstra que, em literatura, ela não prepondera sobre a motivação artística, esta sim a essência de uma obra. O que se nota nos romances de ambos é que, lendo-os, sentimo-nos inteiramente absorvidos pela narrativa e uma infinidade de ideias movimentam-se em nossa mente, mas nunca aquelas relacionadas aos artifícios da narração, que passam como despercebidos, a menos que nos proponhamos a exclusivamente analisá-los. São ambos superiores porque superiores são suas motivações.

O que torna o gênio germânico curiosíssimo…

O que torna o gênio germânico curiosíssimo é o extremado perfeccionismo, presente desde as mais altas até as inferiores manifestações do espírito. Isso ocasiona, sobretudo, um contraste de dimensões descomunais entre os indivíduos de inclinações diferentes, de forma que espanta notar que nos países germânicos, tal como nos outros, há vizinhos de porta e há convívio social. Talvez a misantropia não tenha sido jamais praticada com tamanha devoção alhures, e talvez não haja povo com maior número de misantropos notáveis — para não falar em gênios…