Essa repulsa instintiva, essa irracional contrariedade que se experimenta em relação a algo ou alguém frequentemente se prova mais razoável que o mais minucioso dos raciocínios. É muito curioso haver essa manifestação, talvez motivada pelo mais atávico instinto de sobrevivência, que gera um alerta a respeito daquilo que não se tem motivo para desconfiar. E então, repetidas vezes, segui-la para mais tarde aliviar-se do erro não cometido — e impressionar-se desta misteriosa capacidade…
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É muito peculiar esta tendência comportamental…
É muito peculiar esta tendência comportamental do homem para com seus contemporâneos: ao mesmo tempo que não se impressiona, quando não despeita o verdadeiramente extraordinário, abona e encomia tudo quanto compõe a faixa que parte do medíocre ao verdadeiramente desprezível. Daí que nunca se pode confiar num julgamento coevo a respeito de nada, sob o risco de embarcar nas mais escandalosas fraudes e injustiças. Sempre é preciso aguardar que a história, despojadamente, coloque cada coisa em seu devido lugar.
O direito de incomodar
Na sociedade brasileira, o direito de incomodar prevalece sobre o direito de não ser incomodado, este fundamental para o convívio pacífico no mundo civilizado. No mundo civilizado, aquele que incomoda perde imediatamente a razão e é condenado pelo senso comum; já na selva brasileira, ai daquele que julgar-se no direito de não sofrer distúrbios frequentes! Diz-se que, em Tóquio, o que mais espanta é o silêncio que permeia a grande movimentação das avenidas, a mudez das construções enormes, o ruído que não emana do comércio. Um cão brasileiro, em Tóquio, parece destinado a enlouquecer.
Às vezes é divertido imaginar a reação…
Às vezes é divertido imaginar a reação de um destes europeus realíssimos e literários, que aliam o rotineiro mau humor à prática da misantropia, se expostos à ousadia destes ambulantes que pululam nas metrópoles brasileiras. Quanto tempo suportariam, sem que explodissem e acabassem partindo para a agressão? Difícil dizer… Mas bastariam uns poucos minutos a pé em qualquer avenida movimentada para que notassem que, aqui, inexiste essa coisa chamada constrangimento, essa inibição saudável perante um desconhecido, esse respeito que se manifesta por um desejo de não incomodar. Não, não… aqui dá-se o oposto, e idêntica irritação brotaria no ambulante alvejado pela desfeita de encontrar um transeunte que não esteja inteiramente disponível, inteiramente aberto e ansioso pela abordagem intempestiva. Dois animais cuja relação não pode senão resumir-se em repulsa e confronto e que Deus, pelo bem do planeta, faz bem em separar.