Quando se observa, uma única vez…

Quando se observa, uma única vez, uma criança a perder a inocência, o conceito que se faz do homem não pode permanecer. Aqui, passa-se algo indizível, com muito esforço simbolizável, mas que palavras nenhumas conseguem precisar. Lembra-se do Éden, lamenta-se, contudo o próprio lamento é dúbio, porque é difícil classificar a experiência como inteiramente má. Na criança, algo se perde; porém algo se ganha. O estado anterior, decerto, não retorna, e por isso parece haver para a experiência uma espécie de condenação. Mas esta, se acarreta alguma mágoa e alguma saudade, inaugura uma nova dimensão. A criança, ao perder a inocência, começa a tornar-se consequente; e é a partir deste momento que o mérito poderá florescer.

O orientalismo ter virado moda no ocidente…

O orientalismo ter virado moda no ocidente no último século e, como se espera das modas, ter corrompido as virtudes de seu objeto, não mudou em nada o fato de que, ao ocidental, o oriente pode ser extremamente instrutivo, e até encantador. Porque, a despeito da moda, permanecem os contrastes e, a despeito da moda, permanecem as lições. Este lado positivo, mais do que nunca, tem de ser ressaltado; talvez se há inclusive de admitir que, graças à moda, há hoje um número de traduções que seria impensável há dois séculos. A sabedoria antiga tem a vantagem da solidez: deturpem-na quanto quiserem, mas os textos continuam como são.

É difícil imaginar como uma personalidade…

É difícil imaginar como uma personalidade minimamente íntegra se pode consolidar sem que cultive a lealdade. Porque sem esta, afinal, tudo se dissolve. A consistência fundante da personalidade é o pouco que tenha de leal. É aquele imutável, seguro, aquela essência que o tempo acentua, aquela linha que não se ultrapassa sem a desfiguração. Em torno dela que o mais se desenvolve; sem ela, virtude nenhuma se sustenta e limita-se a ser esporádico quanto apareça de bom.

O que a fama parece ter de mais nocivo…

O que a fama parece ter de mais nocivo é turvar o juízo tão sorrateira, tão imperceptivelmente que, mirado à distância, o famoso parece ter perdido a noção de si mesmo. Perante isso, a vaidade é um detalhe. Vem à mente mais uma vez o livro de Paul Johnson — livro que aparenta escrito para jamais se desgarrar da memória. Pensamos naqueles, e noutros aos quais a fama concedeu o seu abraço traiçoeiro, e vemos o quão destrutiva lhes foi para a consciência, o quão feia nos parece a manifestação do altíssimo conceito que tinham de si perante os demais. Às vezes, o mais da crítica corriqueira aos estoicos não passa de implicância temperamental: um Marco Aurélio, quando cotejado a um Rousseau, é muito mais do que um grande sábio.