É traço inconfundível das épocas tirânicas a agressão à liberdade de pensamento, que se manifesta sob a forma detestável da censura. Este delírio de submeter as almas a uma uniformidade felizmente jamais se concretizou, embora a violência empregada para concretizá-lo tenha alcançado sempre resultados patentes. A censura ideológica é um crime, injustificável sob qualquer ponto de vista; é uma vergonha em todos os séculos e uma condenação dos próprios valores em que se julga apoiar. Por isso a tentativa hodierna de curvar autores do passado à ideologia vagabunda que dominou o pensamento ocidental, submetendo as universidades e os meios de comunicação, será uma mácula permanente. Somente canalhas incuráveis encontram qualquer coisa de minimamente razoável em censurar aqueles que, mortos, não se podem defender; em lhes adulterar as palavras, falsificá-los e vender como deles linhas que jamais escreveram. Além disso, não há nada a se dizer.
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A revolta de Proudhon
Outra de Proudhon:
L’autorité ne fut pas plutôt inaugurée dans le monde qu’elle devint l’objet de la compétition universelle. Autorité, Gouvernement, Pouvoir, Etat — ces mots désignent tous la même chose —, chacun y vit le moyen d’opprimer et d’exploiter ses semblables. Absolutistes, doctrinaires, démagogues et socialistes tournèrent incessamment leurs regards vers l’autorité, comme vers leur pôle unique.
A revolta de Proudhon, a veemência e o ardor que lhe saltam como faíscas das linhas é assaz compreensível: é muito simples imaginar uma sociedade que não se resuma em opressores e oprimidos; contudo, é espantoso constatar que a opressão, seja com quais vestes se apresente, não faz senão consolidar-se moldando-se às propensões vigentes. E ver que, ainda que esteja o óbvio escancaradamente exposto, a maioria não o enxerga, tomando parte ativa na perpetuação daquilo que lhe contraria frontalmente não somente os interesses, mas a própria dignidade.
Ser governado
De Proudhon:
Être GOUVERNÉ, c’est être gardé à vue, inspecté, espionné, dirigé, légiféré, réglementé, parqué, endoctriné, prêché, contrôlé, estimé, apprécié, censuré, commandé, par des êtres qui n’ont ni le titre, ni la science, ni la vertu… Être GOUVERNÉ, c’est être, à chaque opération, à chaque transaction, à chaque mouvement, noté, enregistré, recensé, tarifé, timbré, toisé, coté, cotisé, patenté, licencié, autorisé, apostillé, admonesté, empêché, réformé, redressé, corrigé. C’est, sous prétexte d’utilité publique, et au nom de l’intérêt général, être mis à contribution, exercé, rançonné, exploité, monopolisé, concussionné, pressuré, mystifié, volé ; puis, à la moindre résistance, au premier mot de plainte, réprimé, amendé, vilipendé, vexé, traqué, houspillé, assommé, désarmé, garrotté, emprisonné, fusillé, mitraillé, jugé, condamné, déporté, sacrifié, vendu, trahi et, pour comble, joué, berné, outragé, déshonoré. Voilà le gouvernement, voilà sa justice, voilà sa morale !
A eloquência de Proudhon é destas que convence um monge a comprar um fuzil. A meticulosidade na exposição do óbvio não pode admitir senão o riso como resposta. Que dizer? Como refutá-lo? Proudhon, que não era um homem comum, tinha olhos para enxergar a exploração tirânica que se tornou normalidade social, tinha olhos para ver o estado vexatório de submissão em que o cidadão comum se permitiu viver. E então? Perdura o mito, ora gravado na pedra, de que é impreterível que todos assintam em ser ovelhas e que uns poucos sejam lobos. É assim e só assim que a “sociedade” pode funcionar. Um milímetro fora disso é o caos e a desordem: todos perdem e, portanto, o melhor é aceitar em silêncio a necessidade de que uns mandem e outros obedeçam.
Estupor perante a destruição
Às vezes parece vivermos numa época não de decadência, mas de estupor perante a destruição cultural já consumada. É como se estivéssemos em meio a escombros, perplexos e sem ação. Foi-se o que havia de seguro, de estável, de “certo”, foi-se o norte e o bom; as palavras foram esvaziadas de sentido e os critérios desconstruídos, ao mesmo tempo que o subversivo foi colocado num pedestal. Culturalmente, destacam-se despautérios que, após um instante de brilho, são logo esquecidos e substituídos por outros; e nessa sucessão em que nada perdura, senão o contrassenso, parece não haver nada de firme para se apoiar.