Em algum ponto da história, a imprensa descobriu…

Em algum ponto da história, a imprensa descobriu que poderia vender verdades — e o quanto poderia lucrar com fazê-lo. Então, atinando-se para a nova potencialidade, assumiu-a com gosto e, em obra de décadas, gradativamente intensificando-a, posto que o intensificá-la provou-se mais e mais lucrativo, transformou-se numa ferramenta de manipulação sistemática. Por um tempo, nada pareceu capaz de fazer-lhe frente, minorar-lhe o poder soberano; e iludiu-se que seria sempre assim. O que se deu no ocidente, pois, de forma intempestiva e notavelmente no Brasil, é algo simplesmente delicioso de observar: todo esse império canalha, esse conglomerado da mentira encontra-se, agora, alvejado pela fúria das mesmas massas que manipulou, e parece condenado a ruir. É um privilégio notá-lo em tempo real! E quem poderia prever? Após muitos anos mentindo, mentindo e mentindo, ao ponto de fazê-lo com descaramento espantoso, extrapolando todos os limites e insultando a inteligência daquele que enganava, alentou contra si uma reação violentíssima que não avisou o momento de estourar. É verdade, é verdade: ainda é cedo para arriscar os capítulos finais desta história; mas, por ora, não há como conter o esticar do mesmo sorriso que vivia na face de Voltaire.

Ocorreu no Brasil uma drástica mudança…

Nos últimos anos, ocorreu no Brasil uma drástica mudança psicossocial que há de ter efeitos duradouros e que, por ora, são de extensão imponderável. Impulsionado especialmente pela política, e na contramão do que ocorre no restante da América do Sul, o fenômeno encantaria tanto um Gilberto Freyre quanto um José Maria Bello. Apenas um cego o não notaria ao analisá-lo sociologicamente perante as últimas décadas. Está em curso uma guerra sobretudo de valores, iniciada por uma centelha que aparentava insignificante mas que gerou um efeito em cadeia e cuja vitória, agora, parece mera questão de tempo. A intelectualidade dominante, que estabeleceu-se num trabalho de décadas, exatamente no momento em que parecia soberana e invencível, viu surgir, de onde jamais esperaria, um movimento reativo que a fustigou com violência inopinada. Hoje, vemo-la em desespero, valendo-se de todos os poderosos meios de que dispõe para evitar a derrota; mas ainda assim parecem estes ineficazes, somente a postergar um fim que já se afigura inevitável. Será uma lástima se o futuro não puder apreciar este momento através de linhas isentas.

A personalidade só floresce no deserto

De Nietzsche:

Estando entre muitos, vivo como muitos e não penso como eu; após algum tempo, é como se me quisessem banir de mim mesmo e roubar-me a alma — e aborreço-me com todos e receio a todos. Então o deserto me é necessário, para ficar novamente bom.

A personalidade só floresce no deserto e não resiste a muito tempo de contato coletivo, o qual não faz senão estrangulá-la. É como uma tortura ao indivíduo consciente de si, habituado a viver como pede-lhe o íntimo, fazendo da própria vida uma realização interior o encontrar-se coagido pelo meio, que o impele a negar-se posto que representa a antítese da singularidade que o define. Prezando-se, não deve ele permitir-se mais que doses homeopáticas de contato com os homens, sempre atento para que estas não lhe contaminem a rotina e sabendo que, afinal, o que mais tem a ganhar com fazê-lo é o topar-se repetidamente com os motivos que justificam e exigem a afirmação do próprio voto.

É muito difícil, hoje, não simpatizar…

É muito difícil, hoje, não simpatizar com aqueles alvejados pela fúria dos imbecis. É o mesmo sentimento inspirado por uma ação covarde: toma-se, instintivamente, partido do lado mais fraco. E ver todos esses linchamentos públicos, toda essa infâmia raivosa que arrasa reputações e carreiras da noite para o dia, e sempre insaciável, sempre à procura do próximo alvo, é algo que suscita em mesma medida repugnância e revolta. Quem permitiu que tais estúpidos tivessem voz? Ainda teoricamente, são demasiado óbvios os resultados da demagogia miserável de Rousseau; mas observá-los na prática, efetivos e aclamados, não pode senão conduzir a uma misantropia total.