Nesta era em que há mais vozes que ouvidos, mais livros que leitores e mais facilidade que vontade de aprender, é improvável que se erga uma verdadeira autoridade intelectual e alcance o prestígio de um Voltaire, de um Goethe ou de um Walter Scott. A atenção que angariasse para si seria, no máximo, passageira, e portanto dificilmente gozaria do sólido e duradouro reconhecimento que grandes intelectuais gozaram noutros tempos. Isso não mostra senão uma característica desta época de atenção difusa e bombardeada ininterruptamente. É temível o que pode provir de uma época não só carente de autoridades verdadeiras, mas guiada por falsas; porém, de toda forma, o que se há de concluir é que, ao intelectual, tudo se tornou consideravelmente melhor.
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A “popularização” da ciência
Burckhardt pergunta, em suas Considerações sobre a história universal, em que resultaria a inesperada “popularização” da ciência que se deu no século XIX. Cá estamos… A ciência a que Burckhardt se referia já não é a mesma. Esta foi aviltada a partir do momento em que deixou-se despegar da nobre finalidade e permitiu-se aplicada a interesses vis. Desvirtuada numa espécie de autoridade que contraria a humildade característica da investigação verdadeiramente científica, profanada como instrumento político, servil à ditadura do dinheiro, já não se pode mirá-la com a admiração de outros dias. A própria arena científica, ainda que a isolemos de influências externas, está corroída por conflitos de interesses comparáveis aos que se dão na política. Aliás, que é que não se corrompeu após a ascensão “popular”? Mesmo Burckhardt, com sua nobre e radical repulsa à cultura do money-making e à plutocracia ainda em gestação, se espantaria ao ver como, hoje, tornou-se perigoso ignorar os impactos sociais e econômicos de uma possível investigação científica. O resumo: nada resiste a uma “popularização”.
É realmente impressionante como os anos…
É realmente impressionante como os anos, que não parecem nada, que passam imperceptivelmente, desfiguram a realidade até um ponto em que não sobra um único resquício do que um dia foi. Tão próximos um século do outro, e por vezes díspares a ponto de não se reconhecerem. Será tomado de espanto aquele que fizer uma análise minuciosa dos costumes de épocas passadas, em medida idêntica à que resultaria se alguém do passado pudesse vislumbrar o futuro. Em ambos os casos, um misto de estranhamento, repulsa, incompreensão e assombro. Assombro porque, em teoria, a espécie humana sempre foi constituída de homens. Porém, para a sociologia, é possível descrever homens de diferentes tempos como espécies distintas.
Para ser normal…
Para ser normal, absolutamente normal, é preciso, em primeiro lugar, frequentar um psicólogo. Só ele é capaz de colocar uma alma perdida no caminho da normalidade. Em seguida, é preciso viver de forma a empregar, no mínimo, metade do tempo útil trabalhando. Diariamente, é necessário expor-se às radiações salutares de uma televisão. Os remédios para ansiedade, depressão e colesterol devem complementar uma dieta centrada em produtos industrializados. As injustiças sociais devem inspirar a mais profunda indignação e o Estado deve ser obedecido independentemente das circunstâncias. Ao lado do travesseiro, um livro de autoajuda. E a mente a repetir o mantra: “Eu sou capaz”.