O estudante resistente o bastante para vencer as terríveis dificuldades oferecidas pelo latim terá como prêmio o acesso ilimitado à verdadeira beleza que é a flexibilidade sintática latina, tão intrincada para o cérebro educado pelas línguas românicas modernas. Este que é um dos mais notáveis distintivos do português perante outras línguas atuais, fazendo com que estas pareçam duras e prosaicas, no latim é como que o sumo recurso do mestre, cujo manejo denuncia o próprio gênio daquele que discursa. Apreciar a variedade sintática das construções latinas é, em verdade, apreciar o grau de criatividade com que o autor articula a linguagem, variegando e surpreendendo. Sem dúvida, é um prazer que justifica o esforço de anos para aprender o latim.
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Não há dúvida que foi e tem sido deletério…
Não há dúvida que foi e tem sido deletério para a língua portuguesa o movimento simultâneo, por parte da intelectualidade, de aproximação da língua inglesa e distanciamento do latim e do francês. O fato é patente e deu-se menos por escolha que por necessidade. Contudo, hoje, é possível constatar quanto se perdeu. Se refletimos sobre a condenação veemente que fizeram gramáticos de outrora a respeito dos galicismos que invadiam a língua portuguesa, ficamos com a falsa impressão de que o francês estava a contaminar o vernáculo, quando, em verdade, teve efeito majoritariamente enriquecedor, saltando aos olhos naqueles que talvez sejam os maiores prosadores do idioma: Eça, Camilo e Machado. A influência francesa, pois, ora inexistente, mais fez conferindo beleza ao discurso português. Quanto ao latim, enxotado das escolas e universidades, o lamento é ainda maior. É escusado listar o que perde o falante português abdicando do estudo da língua latina, posto que inutilmente muitos já o fizeram, como Napoleão Mendes de Almeida. Ocorre que o intelectual médio, hoje, é formado com vistosas deficiências não somente vernaculares, como cognitivas: raciocina pior por dificuldade na articulação do raciocínio, por incapacidade de ordenar o discurso — algo que poderia ser prevenido pelo estudo do latim. E se nos voltamos para a perda estética, ainda mais considerando ser o inglês o substituto da língua latina, a situação é ainda mais lastimável. Que fazer?
Há algo brilhante e curiosíssimo no Simbolismo
Por muito que se diga contra a obscuridade do Simbolismo ou, mais especificamente, dos poetas simbolistas, a verdade é que há algo brilhante e curiosíssimo nesta técnica expressiva que parece ocultar-se quando, em verdade, abre-se a possibilidades insondáveis. Em poesia, as palavras adquirem um peso incomum quando evocadas. Um verso desprovido de nexo sintático mas abundante em vocábulos sugestivos terá, sim, um forte efeito na cabeça de quem os lê. Se constrói-se “Dia chuvoso; dor; fadiga e desalento”, embora não conectadas logicamente por um argumento, a mente, ao ler tais palavras, de pronto as relaciona e forma uma imagem possuidora do elo lógico que lhes parece faltar. Assim, o poeta consegue fazer com que elas se manifestem em nuances individualizadas para cada leitor. Se, por vezes, a obscuridade pode ser enfadonha, por outras pode gerar efeitos interessantíssimos e quase ilimitados.
A rima é indispensável?
Embora eu, particularmente, muito aprecie o verso rimado, jamais endossaria Bilac e Guimarães Passos, que sustentaram “que em composição alguma de versos se deve prescindir da rima. Ela é indispensável”. Isso por vários motivos. Mas um deles merece menção especial. Não sei como compunham os poetas supracitados, porém parece-me necessário, saltando todo o processo de ideação do poema, que dele seja feito um rascunho. Se quero fazer rimas, pois, esboço primeiro o poema em versos brancos, para em seguida concentrar-me no ritmo, nas rimas e na seleção minuciosa das palavras. Percebo claramente que, preocupasse-me com rimas neste momento do esboço, não faria senão me estorvar o impulso criativo, interrompendo-me o fluxo das ideias para abrir um dicionário, algo absolutamente contraprodutivo. Portanto, tenho de concluir que este impulso criativo, em sua forma espontânea, pede a manifestação em verso branco — para não dizer verso livre. Pois bem: sei que nem todo grande efeito artístico é espontâneo, muito pelo contrário, como quase todo brilho de uma obra é proveniente de detalhes cuidadosamente pensados. A rima, pois, embora seja uma artificialidade, fica justificada. Mas a prática mostra, repetidas vezes, que rimar os versos é adulterá-los, e ainda que se possa ganhar em beleza com fazê-lo, vai-se aquela naturalidade inicial. Finalmente, chego onde quero. Haverá versos em que o poeta se porá num nível de estímulo tão forte que se sentirá a derramar emocionadamente a alma sobre o papel; versos que sairão como uma avalanche, que lhe expressarão o mais íntimo e brotarão com ímpeto e nitidez diferente daquilo que cria de ordinário. Não estou certo sobre o quanto se ganha rimando tais versos, quer dizer, parece-me que o poeta que os deforme para enquadrá-los em formalidades talvez cometa um crime contra si mesmo e insulte o singularíssimo momento em que os concebeu.