Talvez o problema mais intrincado que se coloca…

Talvez o problema mais intrincado que se coloca ao romancista brasileiro é o retratar, ou não, a linguagem coloquial. Assumindo esta necessidade, dá-se o complicadíssimo problema da medida, para o qual não parece haver solução segura. Quer dizer: o abismo que há entre o português falado no Brasil e a língua culta é tão imenso, mas tão imenso, que não há conciliação possível, mas traições toleráveis, ou quiçá necessárias, que se intercalam no modelo escolhido. A linguagem culta, ante a coloquial, é no português brasileiro a artificialidade e o ridículo. Já a linguagem coloquial não se insere no português formal senão como um conjunto infinito de erros ortográficos, prosódicos, sintáticos, os quais se retratados com fidelidade tornam o idioma quase irreconhecível. Como, então, resolver? O romancista, se efetivamente enxerga a situação que narra, se sentirá coibido a colocar na boca de um personagem um discurso para ele inconcebível. Ao mesmo tempo, é romancista, não orador; maneja, pois, — e oxalá ame, — a língua e a tradição escrita. De tudo isso, há apenas uma certeza: o mais fácil é não ser romancista no Brasil.

Há um conselho que muito agradaria os leitores…

Há um conselho que muito agradaria os leitores, mas jamais foi dado a escritor algum, e que consiste no seguinte: o autor cujas páginas dos livros que tem não bastam para satisfazer sua necessidade de comentá-los faz bem destinando o excesso, ou o todo de seus comentários a uma obra concebida especificamente para tal. Fazendo isso, evita-se, primeiro, que tais comentários se interponham numa narrativa que nada tem com eles, que a interrompam e a atrapalhem. Em segundo lugar, tal obra, existindo, fará bem ao próprio autor, que terá nela um estimulante depósito de comentários, caso não disponha de um amigo ou uma pessoa real qualquer para exercer esta função.

A vantagem de um romance cujo arco dramático…

A vantagem de um romance cujo arco dramático é bem definido, ainda que a sucessão de acontecimentos, por exageradamente coesa, beire a artificialidade, é manter vivo e intenso o sentido de conjunto na mente do leitor, algo que, resumindo, sustenta-lhe o interesse. Já os romances, digamos, mais “naturais”, que refletem a natural futilidade dos personagens e a natural trivialidade de suas vidas e de suas preocupações, rapidamente se tornam tediosos e, ainda que aparentem menos forçados, muitas vezes não resistem à tentação constante de fechá-los.

O mais difícil em retratar a circunstância temporal…

O mais difícil em retratar a circunstância temporal na obra literária é especificá-la a ponto de que se torne especial, ao mesmo tempo que se lhe sintetiza a ação enquanto agente exterior num esquema que extrapole o tempo. Tenda para qualquer um dos lados, e o artista falhará em fazer com que a obra desperte um interesse duradouro, só possível quando se constrói camadas de sentido diversas, mas indissociáveis, conectando o abrangente ao particular.