Futuro da humanidade

Tenho algumas perspectivas otimistas no que tange ao futuro da humanidade. Aqui vai uma: imagino uma hipótese em que, num futuro próximo, os avanços digitais possibilitariam que João, um estocador de frios, comprasse um bilhete para embarcar eternamente em uma instigante realidade virtual. (Para que o mundo se tornasse realmente melhor com o avanço, o preço do bilhete teria de ser acessível; digamos, custando o equivalente a três anos de trabalho braçal.) Então João deixaria de ser um trabalhador mal remunerado, com péssimas perspectivas, insatisfeito com a vida, importunado pelos bancos e adotaria um nickname interessante, abrindo mão de uma vida pífia para adentrar em outra estimulante, repleta de aventuras e desafios, que guardasse glória e respeito ao player esforçado. O novo João, a depender de seu esforço, poderia ocupar uma posição de destaque em sua nova realidade. Em contrapartida, cá do lado real do mundo, a ciência poderia inventar uma máquina que mantivesse o funcionamento do cérebro de forma independente do corpo; isso possibilitaria que João, uma vez participante da nova realidade, fosse cortado do pescoço para baixo, sendo seus órgãos vitais destinados a transplantes. É uma possibilidade um tanto otimista: João ficaria satisfeito e faria a felicidade de algum necessitado. Demais, seus restos materiais — a princípio inúteis — poderiam ser usados em pesquisas científicas ou a outras finalidades que interessassem à evolução da espécie. Acredito que, dessa forma, a ciência e a tecnologia digital certamente estariam operando para a felicidade geral, o bem-estar da sociedade e o progresso da humanidade da uma forma socialmente sustentável e consciente.

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Resistir à vida prática

Vejamos um trecho do excelente livro de Andrei Tarkovski, Esculpir o tempo:

Na verdade, sou fascinado pela capacidade que tem um ser humano de resistir a forças que impelem os seus semelhantes para a competição, para a rotina da vida prática: e esse fenômeno contém o material de muitas e muitas outras idéias para meus futuros trabalhos. E nisto que se baseia também o meu interesse por Hamlet, sobre o qual pretendo realizar um filme em futuro próximo. Esta peça das mais sublimes coloca o eterno problema do homem que é moralmente superior a seus pares, mas cujas ações necessariamente afetam e são afetadas pelo desprezível mundo real. É como se um homem pertencente ao futuro fosse obrigado a viver no passado. E a tragédia de Hamlet, tal como a entendo, está não em sua morte, mas no fato de ter sido obrigado, antes de morrer, a renunciar à sua busca da perfeição e transformar-se em um assassino comum. Depois disso, a morte só pode ser uma saída bem-vinda, pois de outro modo ele teria que se suicidar…

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Atitude inteligente

Talvez seja uma atitude inteligente inebriar os sentidos em toda oportunidade e em todo o tempo livre que surgir, jogando areia na consciência e calando a voz interna que surge aos berros cantando ao ser humano a melodia macabra do vazio. Enfrentá-la é sinal de coragem? Pode ser… Mas certamente negar o abismo (adiando eternamente o confronto com o nada) permite uma vida socialmente aceitável e sensata segundo os termos da modernidade. A outra opção é, dançando ao som de uma valsa fúnebre, afundar em melancolia desesperadora e atroz.

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Alfred de Vigny: “La solitude est sainte”

“La solitude est sainte” — assim disse, no século XIX, o poeta romântico francês Alfred de Vigny. Hoje, julgo impossível redigir uma frase como essa; quer dizer: as pedradas seriam a recepção inevitável. Em nossos dias, tudo é coletivo: os homens estão, de mãos dadas, a cirandar em torno do belo mundo que compartilham. E se, por um momento, alguém vê irromper em si um impulso ao retiro, uma necessidade de solidão, pois que não faça alarde! Caso contrário, será esmagado como um inseto, censurado por qualquer que tenha o desprazer de ver-lhe a falta de maturidade social. O solitário é um doente, não ter em si o senso de coletividade é ser inferior. Hoje, só o bem comum interessa, e só ao bem comum deve direcionar-lhe os esforços alguém sensato, moderno e consciente. Sendo assim, não me considero senão um quadrúpede: julgo qualquer tipo de inteligência coletiva impossível e não tenho em mim qualquer senso de pertencimento. O ser humano, para mim, só se desenvolve intelectualmente no silêncio e no retiro. Por isso não posso ser lido, e por isso não encontro sequer um livro de Vigny em português na Amazon ou na Saraiva. Este século é espaçoso demais para ceder albergue à solidão.

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