A melhor de todas as épocas

“Em qual época você teria vivido, se pudesse escolher?” — atiram-me a pergunta intempestiva. Desprevenido, não consigo responder de pronto. Nem após reflexão. Ponho-me novamente diante da questão. Meu primeiro impulso é pensar: “Melhor seria não ter vivido nunca…” — mas recuso a ideia, não faz o meu perfil… Então penso nas variadas épocas e inevitavelmente sou levado a pensar nos variados lugares. Onde eu gostaria de ter nascido? Penso e, incrivelmente, tudo perde o brilho: vejo tão somente o que seria insuportável a mim em todos os tempos e em todos os lugares. A precariedade do asseio corta de antemão todos os séculos que precedem o XIX. Vejo-me com o horizonte crassamente reduzido. Em seguida, a mente obriga-me a cortar tudo que esteja entre os trópicos: antes a forca que o calor doze meses ao ano…. Então vejo minha graúda intolerância exterminar o tempo e o espaço. Sou assim tão difícil de agradar? tão afeito aos costumes? Penso na América. Grande América… Mas mesmo a América apresenta-me um grande problema: o americano; assim como a França o francês e a Alemanha o alemão. Viajo de norte a sul, percorro em mente os 360 graus do globo e volto dois séculos no tempo. Não sorrio, e chego à incrível conclusão que de todas as épocas, em todos os lugares, o melhor é estar exatamente onde estou: sozinho, no silêncio, vendo entrar pela janela a fresca brisa da chuva que cai lá fora…

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Pastores evangélicos

O capitalismo é pleno entre os pastores evangélicos. Não que constitua algum demérito, mas capitalizar o nome de Deus soa-me um marketing demasiado agressivo. Por que novamente me meto onde poderia evitar? Em todos os tempos e em variadas religiões, foi o líder espiritual um asceta: negando os prazeres da carne, pagava pelo título de autoridade espiritual. Exatamente com a igreja evangélica isso mudou, e hoje o pastor veste traje completo, tem esposa e anda de Hillux. Será que só a mim causa estranhamento? Percebo, desconcertado, a obsessão de pastores com os fariseus: vejo-lhes condenando, num só pacote, o conhecimento e a ganância. Mas nunca vi, nem ouvi falar, em toda minha vida, de um único pastor de igreja mediana em dificuldades financeiras: mais, a pregação remunera-lhes qual exitosos empresários. Creio precisarmos de uma redefinição: que é a ganância? Sobretudo, que sempre representou a ganância nos tempos antigos?

Prossigo — e arrepio-me diante da obsessão: — só pode falar de ganância aquele que dá as costas ao dinheiro. E se vejo um pastor evangélico com mais dinheiro que seus fiéis, considero-lhe um hipócrita. Paciência, muita paciência com minhas generalizações… Mas não sou eu a pregar que somos todos irmãos. Por que o pastor não dá o exemplo? Poderia começar, de bom grado, partilhando-lhe a riqueza e guardando para si somente o necessário à vida — e a espalhar seu verbo, como mensageiro de Deus. Mas se contenta o pastor com tão pouco? De jeito nenhum! O pastor quer apartamentos e carros luxuosos, quer viajar pelo mundo e julga-se filho de Deus, isto é, julga-se apto a gozar, também, dos prazeres do capital. Muito bem, muito bem… E cada qual lidando com a própria ganância e mirando a face hipócrita no espelho.

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Particularidades psicológicas

Acho incrível como meu absoluto desencanto com o mundo se não tenha revertido em morbidez. Em geral, estou sempre bem humorado, rindo em pensamentos, ainda que a experiência já se me afigure como esgotada. É verdade: não sou bem humorado a muitos mais do que a mim mesmo, mas julgo como quase um milagre ver-me sorrindo, a desejar uma vida absolutamente medíocre sobre o ponto de vista dos homens de meu tempo. Tamanha incompatibilidade de gostos, de hábitos, de interesses e de temperamento poderia mais logicamente desaguar em tristeza, angústia, apatia e desespero.

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Mais linhas sobre o amor…

O que de praxe chama-se de “amor” exige, obrigatoriamente, uma atitude ativa por parte do amado. Isso a mim é tão óbvio que às vezes me pergunto onde está a falsificação: se na palavra, se no conceito, ou se precisamente essa geração subverteu o sentimento que por séculos denominou-se “amor”. O amor moderno, sobretudo, apresenta-se como necessidade, carência de ser alvo de um esforço alheio, de sentir-se valioso, acompanhado, afagado por alguém que se compromete a agradar. Se o amado toma-o a apatia, pois que o “amor” desbota. Mesquinho esse amor não literário, cuja supressão — seja pela distância ou pelo rompimento — não machuca senão pela constatação da falta dos prazeres (efeito) gerados pela atitude ativa do amado… Sei, sei… exagero, mas como disse: em minha parca e breve experiência, jamais vi amante que amasse uma árvore, muito menos uma pedra…

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