Emil Cioran, mestre emérito em cinismo

Sempre busco inspiração em Emil Cioran, filósofo romeno que radicou-se na França, rompeu com o próprio idioma e tornou-se um dos maiores prosadores da língua francesa. Alguns de seus livros, infelizmente, não possuem tradução portuguesa, como os maravilhosos Aveux et Anathèmes e Solitude et destin — entretanto, há iniciativas honrosas em traduzi-lo, como por exemplo a do professor José Thomaz Brum, através da Editora Rocco. Moralista feroz, dotado de erudição invejável, é comum vermos em Cioran uma sentença cruel intercalada com alguma metáfora absurda, cômica ou risível. Isso, desde a primeira leitura, causou-me impressão fortíssima, no início gerando uma certa incompreensão. Zombaria em meio a assuntos morais? Foi então que percebi o óbvio: é impossível refletir em profundidade não dispondo de senso de humor. Nosso fim é o pó, nossa existência é um sopro; estupidez é levar tudo tão a sério. E como as coisas mais graves não são em essência senão passageiras, tudo é passível de riso e escárnio. Ou seja: a verdadeira inteligência se manifesta através do bom humor. Cioran ensinou-me a rir de tudo: dos outros, do mundo, da morte e de mim mesmo. Com ele aprendi a provocar pela graça, a desdenhar pelo charme, a denegar para provar a mim mesmo que não me apego a nada. Descobri, em Cioran, que o cinismo é nobre enquanto face exaltada do bom humor; é sinal de maturidade, e não o contrário… Assim, às vezes imagino-me estirado numa cama diante da morte. Tenho ainda um último desejo: posso pedir a salvação da humanidade, uma dose de morfina, o que eu quiser. Mas vou morrer, isso é certo. Então alço a vista e dirijo-me ao vulto que acompanha o meu suplício: “Por favor, por favor… conte-me a última piada”.

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Imposições do acaso

Se somos, em alguma medida, reféns do acaso, da sorte, da natureza e das circunstâncias; se uma doença pode surgir subitamente e aniquilar-nos; se um assaltante pode cravar-nos uma bala no peito por capricho; se um acidente de trânsito pode calar nosso último suspiro; se nossa moradia pode vir a desabar; se um incêndio repentino pode reduzir-nos a cinzas; se nossos queridos podem inopinadamente nos abandonar; se podemos ver embarcados um avião a cair; se nossos maiores planos podem mostrar-se estúpidos, ou serem aniquilados por algum infortúnio; se toda a nossa vida pode não render uma única piada e desfazer-se na imensidão da espécie e na vastidão do tempo, não vejo postura inteligente que não parta da humildade.

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A contingência em Nassim Nicholas Taleb

Nassim Nicholas Taleb, matemático hoje bastante conhecido no Brasil, agora que marqueteiros aprenderam a usar seu nome para vender consultorias, é certamente muito mais do que um trader. Se grande parte dos idiotas que vendem recomendações de compra no mercado acionário tivessem realmente lido Taleb, aprenderiam o seguinte: o homem não pode prever o futuro. Taleb, cuja obra evidencia a invalidade de quase tudo o que se produziu em finanças modernas, ensina que o cálculo de risco é problemático por procurar estabelecer um comportamento futuro baseado em comportamentos passados. E que, de praxe, sempre que tentarmos prever o futuro, estaremos reféns da incerteza. É engraçado, pois o cérebro humano parece induzido por uma tentação incontrolável de sistematizar o desconhecido; simplesmente não aceitamos a indefinição, a ausência de resposta lógica, e então nos colocamos a elaborar teorias, a arriscar explicações para os fenômenos que nos rodeiam, buscando um padrão objetivo de sequência dos eventos e considerando que padrões necessariamente se repetem, uma vez que o universo é regido por leis estáticas. Segundo Taleb, sempre que arriscamos previsões e não deixamos margens para um evento inesperado, ou que projetamos o futuro baseado no passado, estaremos frágeis. Matematicamente falando, isso quer dizer que não podemos considerar que algo não irá acontecer apenas porque não tenha acontecido anteriormente. Ou seja: a probabilidade estimada de nada, e absolutamente nada, pode ser zero, pois estimativas requerem uma margem de erro. Toda vez que leio Taleb fico com a sensação de que apostar no improvável pode ser mais coerente (além de ter payoff mais alto), e que a contingência, questão já abordada filosoficamente com diversos nomes (incerteza, aleatoriedade, fado, fortuna…), parece ser a verdadeira força motriz dos eventos determinantes da história. Assim, desdenho sorrindo do meteorologista e sua tara por quantificar eventos futuros, enquanto aprendo a respeitar o índio que, impassível olhando ao céu, sabe-se refém da própria sorte.

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Nietzsche e a impotência da linguagem

Nietzsche foi um crítico da linguagem. Sabiamente percebeu que ela só é capaz de generalizar, simplificar o mundo e falsificar o real. Pascal disse parecido em torno da mesma lógica: a essência, ou o conhecimento, não está passível de ser posto em palavras — ou apreendido. Para Nietzsche, a linguagem é uma tradução, e nosso aparato cognitivo não nos dá senão uma perspectiva da realidade, ou seja: não somos capazes de definir a coisa em si, e saber é questão de interpretar e buscar o domínio do caos da aparência. Muito bem! Pois que eu olho em redor e só vejo convicções, verdades, opiniões sensatas, interpretações fundamentadas, conclusões empíricas, tudo isso envolto num maniqueísmo absoluto. Cautela e dúvida, hoje, são sinais de fraqueza e falta de preparo. Por isso — e por outras — reconheço minha absoluta incompatibilidade para com meu tempo e meu profundo desprezo para com as pessoas em meu redor.

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