Todo livro deveria conter uma etiqueta colorida colada à capa

Quando imagino a postura de Cioran diante de um papel e comparo-a com a de alguns artífices do entretenimento consagrados como best-sellers, penso que todo livro deveria conter uma etiqueta colorida colada à capa a indicar se a obra é séria ou trata-se de diversão, passatempo, brincadeira — talvez uma carinha feliz cumpriria bem o papel para estas. A sinceridade é dotada de um potencial agressivo que ao marketing convém evitar a todo custo. Quem é que paga para ser agredido? Certamente não o público mainstream. E, no mais, a classificação seria útil para que o leitor soubesse de quem poderia pedir qualquer satisfação, a quem seria visto como cliente e, portanto, quem estaria verdadeiramente interessado em sua satisfação. Proveitoso e facílimo seria identificar quem publica pela fama e quem risca o papel percebendo-se a sangrar.

Aflição e revolta

Aflição e revolta: assim parece manifestar-se o espírito ao contrapor a sensação terminante de não pertencimento à necessidade obrigatória de pertencer a alguma coisa. Destacar-se do todo é uma impossibilidade, ainda que lhe esteja claríssimo o caráter incompatível da natureza — é preciso ser parte integrante, é preciso trabalhar por uma conciliação impossível! E assim o existir parece sempre redundar em conflito, em guerra aberta que não estimula senão sentimentos negativos. Entrada obrigatória, saída somente em fraqueza ou submissão. Deixar de falar é facílimo diante de fechar os olhos, domar as veias e anular as rajadas da mente…

Renúncias e apostasias

Curioso notar a postura daqueles a quem eu poderia chamar de modelos em prosa. Nietzsche, com os anos, renegou-lhe o mestre com violência ímpar. Cioran, ainda que alternando explosões e lamentos, fez parecido com quem se lhe referia como o seu “modelo”. Parece um curso natural da vida lentamente se despegar dos antigos preceitos, das antigas admirações e daquilo que um dia moldou e alimentou um espírito em expansão. Disse Cioran na vida importar somente os rompimentos. Talvez porque rompimentos costumam configurar atos de coragem. Renúncias, apostasias, afastamento gradual e definitivo: tudo isso parece, se olhado em distância, contribuir para uma espécie de liberação.

Forçado pelas circunstâncias

É incrível como tortura sentir-se forçado pelas circunstâncias a aplicar o próprio esforço em algo que não entrega mais do que dinheiro. Aplicar o próprio esforço, e quase sempre o grosso do próprio tempo… Enxergo o artista médio desesperado diante da questão que aparenta insolúvel: como não ser útil aos outros seres humanos ou, ao menos, como não ser escandalosamente útil, estritamente útil, e continuar sobrevivendo? Como não resumir a própria vida num rasteiro utilitarismo? Como ser um artista, e não um gerente comercial, um projetista, um vendedor? Como ser um artista e, no mínimo, abster-se de qualquer necessidade financeira na produção da própria obra? Parece o supremo mérito resumir-se em ter sorte…