Todo aquele cujo sonho é a implantação…

Todo aquele cujo sonho é a implantação de um totalitarismo ideológico padece, antes de tudo, de ignorância histórica. Se a falta de altivez o impede de mirar um pouco além do interesse imediato, um pouco de juízo o recomendaria não desafiar uma reação imprevisível e incontrolável. Mas a história, sempre, há de fazê-lo pagar, porque é infalível em apontar o totalitarismo como aspiração restrita a canalhas. O curso de uma vida é muito pequeno para as consequências que se lhe podem suceder, e se a ignorância histórica, por vezes, pode não comprometer a curto prazo, um pouco de paciência demonstra que, enfim, ela sempre compromete.

Uma geração nunca aprende com o passado

“A história se repete” é uma afirmação verdadeira porquanto amparada na absoluta incapacidade humana, atestada por cada geração, de transmitir adiante o aprendizado de suas experiências. Por isso a civilização acha-se sempre à beira dos mesmos colapsos e revoluções pregressas, refém dos mesmos erros, explorada por novas versões das mesmas armas, sujeita aos mesmos esquemas de domínio, aos mesmos tipos guiados pelas mesmas ambições. Uma geração nunca aprende com o passado, e o que aprende com o presente terá de ser aprendido com o presente de novo e de novo pelas próximas gerações.

O que há de mais difícil e perigoso…

O que há de mais difícil e perigoso para nós, modernos, no estudo da história, é vencer a tendência de ver-nos a malícia refletida nas ações daqueles que viviam num tempo ainda não corrompido pelo marketing. Somos inclinados a encontrar, sempre, a mentira e o interesse por trás de cada ato e de cada palavra, quando, em verdade, para nem entrar na questão moral, estas não premiavam com a generosidade e segurança que ora premiam. À mente moderna é estranha a pureza de intenções e o agir sem nada esperar em troca; por isso, para bem compreender algumas vidas pregressas, é preciso, antes de tudo, submeter-se a uma evolução.

“Um regime ainda mais elitista”

Diz-nos Gilberto Freyre, em Ordem e Progresso:

Tal foi o caso dos republicanos. Vociferando desde 1870, com a fundação de seu partido, pela abolição da escravidão, a incorporação dos excluídos à cidadania e a construção de uma sociedade democrática e participativa, assim que chegaram ao poder esses líderes criaram um regime ainda mais elitista, concentracionário e excludente do que aquele da monarquia que haviam destituído.

E, mais adiante:

Raros parecem ter compreendido o que havia de substantivamente autoritário nas ideias dos principais fundadores da República em contraste com o que se tornara essencialmente antimonárquico no parlamentarismo e no extremo liberalismo de muitos dos estadistas do Império, tantos deles apenas adjetivamente monárquicos nas suas ideias e nos seus processos.

Talvez não haja, em toda a história brasileira, uma tragédia melhor desenhada do que essa transição, não de regime político, mas de valores que culminou talvez na ditadura de Floriano Peixoto, depois da qual o Brasil jamais foi o mesmo. Foi todo um assassinato progressivo de cada uma das qualidades morais que caracterizavam a índole da sociedade brasileira, operado especialmente por um sistema que passou a premiar o opróbrio, a vilania e a malandragem, em contraposição direta com o que ocorria no Brasil imperial. É preciso ser completamente cego para não enxergar o desastre, a derrocada que assolou um futuro que então aparentava auspicioso a médio prazo e que talvez não esteja melhor retratado na literatura brasileira que pelo dramático Pneumotórax, de Manuel Bandeira: podia ter sido, e não foi.