O problema da originalidade

Interessante como o dever de originalidade assombra o escritor médio. Quer dizer: antes de expressar-se com sinceridade e potência, tem de ser original. Mas a originalidade, a menos que o escritor deliberadamente se valha de uma fórmula pronta, plagie e recuse-se a pensar com independência, aparece de forma natural. Primeiro, porque as interpretações psicológicas dos fatos, a relação travada entre o indivíduo e a realidade circundante são variáveis e quase únicos. Segundo, porque as biografias, estas sim, são absolutamente individuais, ou seja: cada escritor possui experiências únicas a serem transmitidas para sua arte. Por isso, a menos que tencione ser alguém que não a si mesmo, qualquer meia dúzia de linhas sinceras fará com que o escritor pareça sempre original.

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Planilhas, planilhas…

Causa-me estranhamento o mundo ter existido por tanto tempo sem planilhas de controle. Às vezes me recuso a acreditar, mas, dos anos 80 do século passado — pelo menos — para trás, as pessoas viviam sem planilhas. Meu cérebro trava: como? Impossível! E convenço-me de que, deletando-me as planilhas, o meu lar imediatamente pegaria fogo. Não há tarefa rotineira que não exija uma planilha: desde às compras do supermercado ao acompanhamento de leituras. Controlar o peso, o nível de gordura corporal é importantíssimo. Os filmes assistidos, o fluxo de caixa mensal, a carteira de ativos, as horas em estudo de idiomas, as bebidas alcoólicas especiais consumidas ao longo dos anos, o planejamento de exercícios físicos diários… todas essas são planilhas obrigatórias, essenciais à vida. Há outras, várias outras. E espanta-me o seguinte: como escrever um livro sem uma planilha? Fosse elaborar um guia a detalhar o processo de escrita, o primeiro e obrigatório passo seria: criar uma planilha de acompanhamento, listar o planejamento dos capítulos, definir-lhes a extensão média e, só então, pensar no que escrever. Diria até que, em muitos casos, a planilha é anterior à ideia ou, ainda, a ideia só é possível com a planilha. Mundo estranho…

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Anoitecer, de Raimundo Correia

Outro belo soneto de Raimundo Correia:

Esbrazea o Occidente na agonia
O sol… Aves em bandos destacados,
Por ceus de ouro e de purpura raiados,
Fogem… Fecha-se a palpebra do dia.

Delineam-se, além, da serrania
Os vertices de chamma aureolados,
E em tudo, em torno, esbatem derramados
Uns tons suaves de melancholia…

Um mundo de vapores no ar fluctua…
Como uma informe nodoa, avulta e cresce
A sombra á proporção que a luz recúa…

A natureza apathica esmacce…
Pouco a pouco, entre as arvores, a lua
Surge tremula, tremula… Anoitece.

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As “obras-primas da ficção de gênero”

Perguntam-me o que acho das “obras-primas da ficção de gênero”. Estranho a pergunta. Jamais considerei obras-primas sobre semelhante perspectiva. Quero dizer: uma obra-prima o é — ou não — independente de seu gênero literário. Mas a questão abre as portas para uma reflexão interessante. O que se convencionou chamar de “ficção de gênero” parece não ter angariado respeito da crítica. Mas a crítica costuma ser injusta com tudo o que constitui novidade. A literatura, porém, está sempre em movimento — e pior para os críticos que o não acompanham. Por outro lado, a popularização das “ficções de gênero” deve muito ao fato de que essas obras, em geral, são escritas pensando no leitor. Escrever pensando no leitor é um método extremamente eficaz para produzir uma obra de baixa qualidade. E como o lixo sempre fez sucesso entre o público! Por isso, quanto à “ficção de gênero”, é necessário cautela. Em hipótese alguma um gênero literário impõe limites para a qualidade de uma obra artística, e várias obras de “ficção de gênero” vencerão a barreira do tempo e se tornarão clássicas — algumas, aliás, já o fizeram… Porém, os artistas desse gênero literário caminharão por muito tempo sobre uma linha estreita: amados pelo público, desprezados pela crítica, tendo de lidar com a tirania do sucesso que pode, de fato, destruir-lhes a qualidade artística das obras. É ter coragem para colocar a arte como rainha e ser indiferente aos anseios do público…

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